Um dia queimei a biblioteca da cidade na minha cabeça, sem piedade por nenhum dos autores e fui-me sentar no chão a comer com as cabras e a olhar o mar, que estava ainda perto dos olhos quando os empurrava para a brisa. Chegaste alto e não me importei que não soubesses quem foi Sartre, nem Napoleão nem Walter Benjamin.

Não me afligiu que não soubesses escrever o teu nome sem que te entrasse ar para os pulmões, nem que juntasses a testa húmida à écharpe de seda que te brindei.

Da biblioteca, não há nenhuma frase importante que tenha sobrevivido a esse fogo, que me pareceu tardio.

Na ponta da minha língua só há restos de erva com areias.

A tua mão desocupada toca uma das cabras e ela entoa um cântico. Depois adeja pelos céus espaçosos e ficamos a vê-la.

Os teus olhos de carvão quente dentro da minha cabeça.

Gabriela Ludovice

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