Sobe, filho. Olha a aldeia tão pequenina, lá em baixo. Parece um presépio.

A aldeia sempre me pareceu pequenina mas nunca consegui divisar o tal presépio. Talvez porque me recusava a subir a encosta. Ficava na falda da montanha, rente aos troncos das árvores, de pé firme na solidez da terra, sobre o seu tapete verde com salpicos de orvalho e riscos de sombra.

O meu pai com as botas engraxadas, no seu andar pesado, levantava a poeira do caminho. O cachimbo largava nuvens espessas, até ao adro da igreja. Eu seguia, uns metros atrás, de cabeça baixa, a mão esquerda entrelaçada na mão macia da minha mãe e a direita dentro do bolso das calças, dando voltas e reviravoltas à última pedra encontrada nos campos. Conhecia de cor as suas arestas, porosidades, grânulos.

À entrada da igreja, a minha mãe tirava-me o boné e afastava os cabelos dos meus olhos. Eu sentia o calor dos dedos na testa. O sorriso dela e o toque leve dos seus dedos eram as aguarelas que eu teria usado, se fosse pintor. De um lado, eu e a minha mãe. Do outro lado, o meu pai, cofiando o bigode crespo, e o seu bastão, fincado no empedrado. Às vezes, éramos os três, com o bastão pelo meio, contornos desfocados na contraluz.

Julieta Ferreira

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