Ao Cortázar 

É só abrir a geladeira, e ele começa a me acariciar. Um dia chegou a apertar meu seio. Afrontada, repeli-o. Em vão: ele continua a brincar comigo, como se nada tivesse acontecido. Quem sabe seja levado a isso por interpretar levianamente meus gestos: desde que ele ocupou a geladeira, para apanhar as frutas, a manteiga, o leite, as conservas, sou forçada a roçar-lhe o peito, as pernas, os braços, o que talvez o excite. Mas a mim, que tenho casa e filhos para cuidar e um marido que atazana por dá cá aquela palha, a brincadeira está custando caro. Às vezes, de noite, sonho a sua mão gelada correndo-me o corpo, na promessa de um prazer que há muito deixei de experimentar.

Álvaro Cardoso Gomes

Álvaro Gomes

Share
Published by
Álvaro Gomes

Recent Posts

Gonçalo M. Tavares vence Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018

Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira devido à "originalidade da sua obra…

7 anos ago

Gente Lusitana | Paulo Fonseca

Cornucópia rosada de carne palpitante… com neurónios, comandada puro arbítrio, caminhante… Permeável, errante… de louca,…

7 anos ago