“ As girafas passeiam-se ao fundo do cérebro”
Esse sentimento vem-me por ver a sua esparsa barba sobre a pele negra, a pedir a ponta dos meus dedos. Procuro-o, para só olhá-lo. Gasto horas nisso. Está mal vestido. Dedico-lhe tardes, meia confundida entre os ramos dos arbustos, a segui-lo nas suas tarefas no quintal. Ele carrega tábuas de um lado para o outro. Decoro-lhe os músculos dos braços a falarem do peso da madeira e o suor devagar nas fontes. Aproximo-me do sítio onde descarrega as tiras compridas e sento-me perto. Ele pergunta se estou boa. Não lhe respondo com palavras porque tenho de fixar a sua voz, como se a fosse desenhar a seguir. Olho-o tanto que fico a pensar se não vai ficar gasto, por minha causa. Não sei como lhe vou dizer, que me leve com ele. À tardinha parte rua fora como uma ave num céu demasiado grande, numa das mãos cansadas um saco de coisas, pequenos brinquedos, coisas de nada e de que se ri, quando lhas mostro entusiasmada antes de lhe entregar a bolsa. Não lhe ofereço nenhum livro, tenho medo que não saiba que fazer com isso. Talvez ficasse a pensar que não sirvo para ele, não por ter esta brancura, mas por causa de ir à escola. Quem me dera deixar de saber ler, de repente, para não ter estas aflições. Como se consegue isso? Gosto do seu cheiro forte. Encho muito os pulmões ao seu lado, a fingir que brinco.
Gabriela Ludovice
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