De cor o escuro que apadrinha o tecto e quando torço a cara, o resto do quarto e mais para lá ainda o corredor. Chamam-lhe insónia. Na cabeça, brechas. Na estante, coisas para alojar na rua. Arregalam-se-me os olhos, sem que pense melhor. Para que rua? Vão-me despejar da casa. Ficará quanto não posso acarretar nas mãos e com o esforço dos músculos. Deixei de ter salário que assegure o ter sítio onde recostar o corpo sem sobressaltos. Parecia que só acontecia aos outros, e que esses outros são os que têm lábio leporino, que se chamam Michael K e que vivem na África do Sul, ou que esses outros no belo lugar do José são simplesmente os calaceiros, os escusados, os que merecem tornarem-se insectos que se chamam Gregor numa casa kafkiana com venenos próprios. Os livros de literatura e filosofia vão por seus pés acabar numa feira de domingo a cinquenta cêntimos cada, que é o que acontece às coisas repetidas dos mortos. Alguém há-de ler-lhes os sublinhados e talvez escrevinhá-los numa mensagem de facebook, onde diz, em que está você a pensar? Na parte de cima do corpo a cabeça a estalar, como uma parede onde compareceu devagar a chuva durante meses e se tornou sem árvores num jardim húmido e nu. Dentro de um saco grande que se torna ínfimo, sufocante quando amarrado na ponta com uma corda forte, José. Quem estará do lado de fora a atá-lo e a dar-lhe pauladas?
Gabriela Ludovice
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