A mulher senta-se na esplanada a ver as outras mulheres. Altas, carnudas, decotes profundos, o cliché da américa latina porque, felizmente, há clichés que são bons. Por isso se ri. Só para si. Pede um copo de rum e outro de água, para ir alternando. Um homem senta-se à sua esquerda, um puro nos dedos, um telemóvel, nada de especial. De repente, num espanhol rápido que não consegue perceber na íntegra, o homem desfaz-se ao telefone: cariño.. no, no, por Dios. A mulher volta a rir. Paga e quando começa a andar em direcção à praça sente-se alta, enorme, capaz de abraçar tudo e todos, os desgostos e as traições, as felicidades e as saudades. Atira uma moeda a uma fonte por superstição europeia, quase ridícula, considera, e continua na sua colecção de recortes, a ver a multidão, a guardar este e aquele para mais tarde. Quem sabe se não me sairá um romance, pensa. Quando, no fundo da mala, o telemóvel apita, ela afasta o som, desculpa-se com o rum e segue. A vida aqui pode não ser bela, mas é outra.

Patrícia Reis

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