Bob Dylan foi distinguido por “ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição americana da canção”. Academia Sueca compara canções de Dylan às obras de Homero e Safo.
Bob Dylan é o vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 2016, anunciou esta quinta-feira a Real Academia Sueca das Ciências, que distinguiu o cantor e compositor norte-americano por ele “ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição americana da canção”.
Nascido em Duluth, no Minnesota, em 1941, no seio de uma família de proveniência russa e judaica, Bob Dylan, pseudónimo de Robert Allen Zimmerman, começou a escrever poemas com dez anos de idade. Aprendeu a tocar piano e guitarra sozinho. Em 1959, foi estudar para a Univerdade do Minnesota (EUA). No ano seguinte, decidiu deixar a faculdade e partir para Nova Iorque, cada vez mais interessado nas origens do rock and roll e em intérpretes e criadores como Woody Guthrie, sua grande referência musical. “Já tinha passado por muitas coisas e visto muitas outras. Mas agora o destino ia revelar-se. Senti que estava a olhar diretamente para mim e para mais ninguém”, escreve Dylan no 1.º volume das suas Crónicas.
Por falar em livros, recorde-se que, em 1966, publicou “Tarântula” (Quasi Edições), a sua única obra de ficção, que alterna entre poesia e prosa e espelha as mesmas preocupações artísticas refletidas em algumas das suas canções. Anos antes, em 1962, tinha lançado o seu primeiro álbum, “Bob Dylan”, em 1962, seguindo-se outros discos, como “Blonde On Blonde” (1966) e “Blood On The Tracks” (1975), hoje reconhecidos como obras maiores e eternas, dada a sua importância e brilhantismo.
Este ano, Dylan lançou “Fallen Angels”, o seu 37.º álbum gravado em estúdio, que pretende homenagear Frank Sinatra. Esteve em Tóquio, em tournée, a apresentar o disco, seguindo-se outros sete concertos no Japão e uma digressão pelos Estados Unidos, que representou mais uma etapa da sua “Never Ending Tour”. No ano passado, o cantor e compositor lançou “Shadows in the Night” e, em 2012, “Tempest”, disco que levou alguns fãs a acreditar que seria o seu último trabalho, uma vez que tem o título da última peça de Shakespeare.
Em março deste ano, Bob Dylan anunciou a venda dos seus arquivos pessoais – cerca de seis mil itens relacionados com os seus anos de carreira – à Biblioteca de Tulsa, no Oklahoma, cidade onde também se encontra o Museu de Woody Guthrie, ofolk singer que tanto admirava.
Entre os favoritos à atribuição do galardão estavam o queniano Ngugi Wai Thiong’o, Haruki Murakami, Philip Roth, o poeta sírio Ali Ahmad Said Esber (conhecido por Adónis), e até nomes menos óbvios como Don DeLillo, que acaba de ver publicada em Portugal a sua obra mais recente (“Zero K”, edição da Sextante) e o escritor espanhol Javier Marías. A escolha de Dylan acaba por ser surpreendente. Reconhecendo isso, Sara Danius, a secretária permanente da Academia Sueca, em Estocolmo, disse esperar, no entanto, que a Academia não venha a ser criticada pela sua escolha. “Talvez os tempos estejam mesmo a mudar”, disse, comparando as canções de Dylan às obras de Homero e Safo, que, tal como o músico, “escreveram textos poéticos destinados a ser representados”. “É óbvio que ele merece o prémio. É um grande poeta – um grande poeta na tradição da grande literatura de língua inglesa. Durante 54 anos de carreira, ele foi capaz de se reinventar constantemente, criando novas identidades”, acrescentou a secretária.
O atraso no anúncio do vencedor do prémio – que costuma ser revelado na primeira quinta-feira de outubro – gerou muita polémica ao longo das últimas semanas. Houve quem interpretasse este adiamento como sinal de que a escolha do vencedor estava a ser mais difícil este ano ou que não haveria consenso entre os académicos. Um representante da Academia Sueca veio, porém, desmentir estes rumores.
A bielorrusa Svetlana Alexievich, autora de obras como “O Fim do Homem Soviético” (Porto Editora), “Vozes de Chernobyl” (Elsinore) e “A Guerra não Tem Rosto de Mulher” (igualmente editado pela Elsinore), foi a vencedora do Prémio Nobel no ano passado. A Academia justificou a decisão “pela sua escrita polifónica, um monumento ao sofrimento e à coragem no nosso tempo“.
A atribuição de mais um Nobel da Literatura fica marcada pela morte, esta quinta-feira, do escritor e dramaturgo italiano Dario Fo, que foi distinguido pela Academia Sueca em 1997. Tinha 90 anos de idade.
HELENA BENTO in Jornal Expresso