“Travessias singulares – Pais e Filhos” é um livro sobre o qual os grandes jornais ainda não
falaram. Mais um livro no silêncio, para todas as redações, poderia ser dito. É para romper
essa paz dos cemitérios que alinhavo aqui algumas linhas.
“Travessias Singulares – Pais e Filhos” é uma antologia que reúne escritores grandes,
magníficos, e, dói-me dizê-lo, pequenos. De Machado de Assis a J. J. Veiga, passando por
Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony, Antonio Torres, Wander Piroli, Silviano Santiago,
Raimundo Carrero. Todos unidos pelo tema da relação entre pai e filho, de norte a sul do
Brasil, do século XIX ao XXI. Essa é uma relação que interessa a todos os brasileiros, de
pais que faltamos a um companheirismo, até os filhos que não guardam com os seus algum
amor. Um terreno de conflito, mágoa e afeto, já se vê. Nem precisamos associar o livro a
Édipo, o Rei, que matou o rival para dormir com a mãe, nem precisamos lembrar aquela
turbulência de Os Irmão Karamazov. Bastaria a referência do eterno Kafka, em Carta ao
Pai.
Não tínhamos no Brasil até aqui algo sequer parecido. Não por falta de conflito, ternura ou
guerra nessa relação, é claro. Não por falta de escritores que aqui e ali não se furtaram a
essa coisa tão íntima quanto a relação com o útero materno. Uma relação-correspondência
que nem sempre chega ao destinatário, fundamental para a definição da identidade, do
caráter que somos. Fundamental até na sua falta. Lembro que na entrevista com Ubirajara,
o sem-teto que virou funcionário do Banco do Brasil, ele chegou a dizer que a falta do pai,
que o rejeitara, lhe doía mais que a fome.
Nesse livro agora vindo à luz participei de duas pequeníssimas maneiras. Na primeira
delas, quando localizei o escritor Renard Perez, que muita gente tomava como perdido,
desaparecido ou morto. Aos 80 anos, no Rio de Janeiro, Renard só se comunicava com o
mundo pelo telefone, que nem sempre atendia. Estava sozinho, imagino que em depressão,
porque havia perdido a esposa há poucos meses. Quando lhe pedi algum contato, algum
email de amigo, ele me respondeu, “eu não tenho amigos”. Localizei-o com muita
felicidade, em razão da sorte e da alegria que senti na sua voz, ao me dizer que há muito
não ouvia uma voz nordestina. Renard é natural de Macaíba, no Rio Grande do Norte. Para
saber o valor da sua força, recomendo a leitura do seu conto, presente nessa antologia, “A
morte do pai”. É um soco, uma lição e uma denúncia.
Na segunda maneira, participo do livro com o texto “A casa de meu pai”. É o relato de
um certo pai, brutal, brutalizado e brutalizante, cuja máxima pedagógica era “bato num
filho como quem bate num homem”. Os poucos leitores agora compreendem por que
disse lá no começo que escritores pequenos também estão nessa antologia. Entre esses
não se encontram Domingos Pellegrini, Aluísio de Azevedo, nem o grande e até há pouco
esquecido Renard Perez.
O feliz editor é Rosel Bonfim, da Casarão do Verbo. O livro está nas boas casas do ramo.
Mas se em algum lugar do Brasil ou do exterior não chegar, escrevam para o email do
editor, roselbonfim@hotmail.com . Se um livro salva um escritor, do nível de Renard
Perez, deve ser lido e saudado. Se uma antologia nos fala dessa relação de guerra e
paz, merece a nossa estima. Para nos lembrar que um dia fomos filhos, e seria bom que
não repetíssemos os pais que recebemos. Por uma questão de consciência. Deus ou a
humanidade condenam.
Urariano Mota
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