O INVENTOR DA PEDRA | Cecília Prada

Caro poeta Drummond: como é sabido, você deu à humanidade essa contribuição, fez esse favor: nos fazer notar que ela estava ali, na vida de cada um de nós. Que a devíamos ver, aceitar, a pedra – que pensávamos, antes, como coisa a ser ignorada por vergonhosa no heroísmo solitário, inglório, de ter de lutar com ela, chutá-la despedaçando o dedão, diariamente. Inutilmente.
O poeta só não disse como, exatamente, ela era, essa pedra.Como ele a via, a sua pedra pelo menos. Para nos dar mais conforto. Não – que comodismo, hein? Apenas nos disse: bem, ela está aí, a pedra, não há como negar, a pedra no caminho é parte integrante da condição humana. É a própria condição da humanidade. Disse, repetiu, “no meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho”, como se fosse apenas pedra à toa, arenosa, esfarelenta, areia na ampulheta (do Tempo?) vira prá cá vira pra lá tanto dá tanto faz. E se foi, acender seu cachimbo e ficar lá sentado – empedrado – no banco da orla, de costas para o mar. Parece que para não ver pedra tamanha logo ali plantada – Pão de Açúcar, chamada.
Que covardia, poeta.
E nós , como ficamos? Como viemos vindo vida afora imaginando tamanho peso cor e resistência da pedra drummoniana, da pedra consentida – ou pelo menos denunciada? Houve quem sacudisse os ombros: ora, quê pedra? Formação calcárea, com certeza. Friável. Não aguentará o primeiro aguaceiro do verão. Na presunção da juventude: a gente resolve, pode até tentar dissolvê-la entre os dedos, quer ver? Eu…E aí (agora confessamos) ficamos por muito tempo, anos, escondendo dedos escalavrados em luvas de precária utilidade. Guardando nas palmas o gosto perverso da pedra.
Ora, pedregulho com certeza. Calhau. Coisa de somenos. Chutado? – unha do dedão cindida ao meio, inflamada, purulenta, pela eternidade.
Questionado, o poeta deu seu sorrizinho de Gioconda e se refugiou em uma frase (sábia, convenhamos) : “Uma pedra no meio do caminho/ ou apenas um rastro, não importa.”

Cecília Prada

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