De peito feito, olhar imóvel, entre corrupios intelectuais e um abraço franco ao discurso ensaiado, o apaixonado faz-se à estrada. Na meta aguarda uma ávida e eloquente potencial interessada. Nele, o suor escorre do peito frágil até à primeira curva do umbigo ainda a aguardar definição. Abotoado com mestria, polido e preparado avista-a – ela está à distância de um “olá”. Com firmeza e a custo mantém o passo. Não voltará para trás. Olá – diz-lhe e anuncia a chegada do amor.
Na altura devida o amor é a razão dos amantes. Quem ama profunda e verdadeiramente, em devida altura sabe que o amor não é mais que uma sebenta, daquelas antigas, obrigatórias e absolutamente desnecessárias. O amor – como líquido que é, só é potável para os outros. Na verdade de muitos, muitos consideram-se menos capazes do que os demais, aqueles amantes perfeitos. Não se trata do amor entre pai ou mãe e filho, ou avô ou avó e neta, ou até entre irmãos. Trata-se daquele amor dos clássicos do romantismo; ou de Shakespeare, trata-se do “camões” de Garrett, trata-se de Herculano. O amor entre dois seres é antigo, obrigatório e, talvez, absolutamente desnecessário.
O amor não é tão universal quanto dizem, bem pelo contrário. O amor é força, é fogo, é mar tempestuoso, é natureza revoltada, é respeito. O amor é gargalhada – não é sorriso, amor é sexo – sexo não é amor. O amor é o antónimo da paz. Esse é o ADN do amor, do sentimento e do amante. Esse amor é impróprio para consumo. O outro – o da paz, da tranquilidade, do “tudo arrumado” e do desrespeito escondido tem o sangue do pseudo-amor e do pseudo-amante, mas pior que tudo, é saber que é neste “amor” que vivem muitos dos eternos casais.
O amor real, o verdadeiro, vai contra a génese do Homem e ao encontro do animal que hoje não se pode ser. O outro – o pseudo-amor é fundamental para a aceitação, é preciso, é alvo de cordialidade, é contra-preconceito e anda por aí a envergonhar o propósito real. Não que faça mal. Socialmente “fica bem” nesta selva de mutantes, nesta água que se engole – que se bebe, neste ar irrespirável que se respira, neste mundo pintado a notas com caras de pseudo-amantes. Não tem mal “amar” dessa forma. Simplesmente é insosso.
Rui Sobral