As Crónicas de Ano de Chumbo (2008-2013) de Eduardo Paz Ferreira (Edições 70, 2013) carregam consigo um punhado de qualidades, sendo uma delas o não terem nada a ver com o chumbo da gíria, nem sequer para chumbar o país que nos saiu na lotaria destes últimos anos. O peso assinalado no título até contrasta com a elevação das crónicas, que agarram o ânimo do leitor. Decididamente não são nada pesadas, embora falem de realidades muito tristes (basta olhar-se para as datas), de perenes dificuldades da pátria, do buraco negro que a ameaça e do nevoeiro onde se escondem as soluções. Se é que se escondem e o nevoeiro não passa de disfarce a tapar a boca desse buraco.
Do que sobre Finanças diz o catedrático de Direito da Universidade de Lisboa, não serei eu quem se vai atrever a ajuizar. Do mais, direi amplamente que sim, está ali um belo conjunto de reflexões sobre Portugal, sobre o mundo, sobre a nossa geração (bom, sou uns aninhos mais velho, admito, mas andámos embarcados nos mesmos ventos da História),
sobre o produto dos sonhos da utópica juventude de 60, tudo dito na prosa de quem poderia ter feito carreira brilhante no jornalismo (o autor andou por lá e foi muito tentado a permanecer) ou na escrita literária, sempre numa voz cujo tom me agarrou em sintonia ao longo das suas quase 400 páginas. E sem risco de desafinar.
Eduardo Paz Ferreira reune nesta colectânea artigos de jornais, mas também muitos textos de intervenção em colóquios, congressos, conferências solicitadas para públicos diversos. Significativamente, em todos mantem a mesma voz, a mesmíssima inalterável ponderação, uma sábia e encantadora serenidade, uma sagesse culta, erudita, nunca presumida nem pomposa, reflectindo por todos os flancos uma experiência de vida a temperar criticamente o saber haurido nos livros e debitado nas salas de aula.
O livro fecha (culmina) com esplêndida chave de ouro: uma entrevista com Anabela Mota Ribeiro, explicando, ou ajudando o leitor a entender, muitas posições do autor. Poderá dizer-se que abrindo portas para se entender até o próprio autor e o seu percurso bioideográfico. Conduzida hábil e sabiamente por Anabela Mota Ribeiro, o Professor
colaborou de boamente e de boa fé expondo-se com uma candura contagiante e envolta em sensibilidade de impor respeito.
Crónicas de Anos de Chumbo são reflexões de quem seguiu o nosso século português bem de perto e muito por dentro, ou na proximidade dos que mais contribuiram para o seu rolar. O autor gosta particularmente dos versos de Wordsworth citados, no final do filme Spendor in the Grass, por Natalie Wood, e faz deles como a epígrafe ou mensagem-chave do livro: Nunca mais teremos o esplendor na relva, mas não nos queixaremos, antes ganharemos forças lutando pelo que tivemos.
Falei em sabedoria de vida? A que melhores versos poderemos nós agarrar-nos hoje num Portugal que ainda não vislumbrou saída para estes anos de chumbo?
Onésimo Teotónio Almeida