Alguma coisa estava a acontecer, e boa não seria, porque há dois dias que o Zeferino não aparecia nem dava notícias, o Gil dizia que nada sabia, mas a Dona Júlia, que julgava já o conhecer bem, achava que havia qualquer coisa que ele não queria contar, mas que também o preocupava, o que seria, senhor Gil, por amor de Deus, não me deixe nesta ralação, alguma coisa aconteceu ao rapaz, se os pais dele telefonam o que é que eu vou dizer, diga-me lá, não se aflija, senhora, que quando eu souber alguma coisa logo lhe conto, mas até lá, por favor, se alguém perguntar por ele diga que foi à terra tratar duns assuntos, percebe, ai que ainda fico mais aflita, não fique, ele não tarda aparece e ri-se da gente, sabe como ele é, um patife sempre a gozar, ai deus o oiça, deus o oiça. Dona Júlia voltava à carga, ó senhor Gil, explique-me lá uma coisa, eu ouvi dizer, não me pergunte a quem, que lá por Aveiro houve umas balbúrdias, coisas de política, que meteu polícia e grande confusão, o senhor acha que o Zeferino, ó Dona Júlia, deixe-se lá de querer adivinhar, sim houve cargas de polícia, pareciam cães em cima de nós, dei comigo a saltar um muro mais alto que aquele ali do quintal, não me diga, pois, o certo é que desde aí nunca mais pus a vista em cima daquele traste, deve ter sido sacado e a estas horas está na António Maria Cardoso, onde, nada, eu não disse nada, até logo, Dona Júlia, que os tempos andam complicados, isto não tarda ou vai ou racha, durma descansada, senhora, mas jure pelas alminhas que não conta esta nossa conversa a ninguém, mas a ninguém mesmo, entende, juro, meu filho, desculpe tratá-lo assim, juro, e que deus nos acompanhe.
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Licínia Quitério em “Casa de Hóspedes”, a publicar