Falo das praxes. Falo dessa prática, muitas vezes desumana, gravemente humilhante, gravemente provocatória que os futuros “doutores”, os “encanudados” filhos da nação e futuros orientadores de futuros, gostam de praticar no lombo e no rosto dos jovens que vão pela primeira vez ingressar nas faculdades.
Falo destes comportamentos aberrantes, sádicos e monstruosos que dão um “gozo catarino” a quem os pratica. Eles sentam-se em cima dos “fracos”, atam-lhes cordas ao pescoço, chibatam-nos pelas ruas das cidades de modo a que todos os possam apreciar. Eles cospem-lhes nas caras, eles arrotam-lhes o resto do jantar de ontem, mordem-lhes, eles despem-nos, pintam-nos, urinam-lhes e defecam-lhes em cima. Ardem e fremem corações de pedra, rejubilam no sofrimento do jovem colega, quanto mais humilhado e amarfanhado melhor!
Que é que uma pessoa pode pensar disto? Que é um costume? Uma tradição a cumprir, obrigatória, na entrada do ensino superior? Esta violência acontece noutros pontos civilizados do planeta? O que é que uma pessoa pode pensar destas atitudes sabendo que as cabeças que prepararam tudo isto, gastaram uns dias da vida, umas preciosas horas da vida a engendrar torturas? O que é que uma pessoa pensa disto? Engendrar torturas e humilhações? Mas quem é esta gente que engendra torturas e humilhações? São os doutores? Os príncipes engalanados, pavões falantes trepadores de pódios desejados por toda a vida? São os futuros gestores e gerentes e políticos e nossos orientadores? Mas quem é esta gentuça? Donde vem? Quem os educou? Que sonhos têm na cabeça? Que prenda desejam no final dos cursos? Um gabinete com vista para a cidade? Um chicote com cabo de marfim? Um panelo sem fundo que aguente com as suas torpes idiossincrasias? Uns “sim senhores” que pretendem que a revolta se instale noutro tipo de espíritos? Que é que pretendem? Sofrimento?
Burgessos a cumprir o folclore fascista inculcado atavicamente nas suas pobres cabeças, ainda que dele não tivessem tido conhecimento, que apenas dele tivessem ouvido falar, mas que tão bem o aprenderam.
Faz lembrar as humilhações da história moderna das quais nem vou falar e que estão documentadas por fotografias.
Atenção que isto é “bullying” do mais perverso! E à vista de todos sem a menor pretensão de disfarce. E ninguém diz nada! As ruas de muitas das nossas cidades ontem, hoje e amanhã estarão enfeitadas com esta massa ululante e “brincalhona” que se diverte por palavras e por ações malévolas e ninguém lhes toca! Há gritos de revolta e de censura, isso há, como este meu aqui enquanto escrevo esta crónica. Meu e de muito mais pessoas, mas não passa daqui.
E são burgessos que eu sei lá! Falam mal, falam aos berros. Não é preciso sermos todos muito palacianos e muito mesuras e muito delicodoces, mas a tendência que há, que se nota, que se vê a olho nu, que se ouve a torto e a direito de algumas pessoas se acharam modernaças e jovens e giras e “práfrentexes”, de algumas pessoas que exibem uma certa brutalidade verbal, uma enorme agressividade no sentido da pior assertividade e que lançam, por tudo e por nada e nas mais vulgares ocasiões, sem fazer o menor sentido e sem terem a mais pequena noção de oportunidade, o chamado palavrão, tipo porra, xiça, fosga-se e mais não digo porque nada disto faz sentido. Ao proferir estas palavras a torto e a direito, as pessoas retiram até a fantástica sensação de alívio que, realmente, só um palavrão pode proporcionar na altura devida. Além de que é vulgar e abrutalhado estar constantemente com este tipo de vocabulário. Uma pessoa define-se facilmente! Julga essa gente dos palavrões e das praxes, que se cria uma determinada intimidade, que essa atitude corresponde a algo que toda a gente sente e aprecia. Não! A boçalidade educa-se, a distinção – no sentido de ser distinto – não se obtém pela vulgaridade. A distinção é a própria distinção.
Nunca perceberá isto, esta gentuça das praxes.
E voltando às alegres entradas na universidades termino dizendo, que aqui estaremos à espera, mansamente, que estes filhos da nação que hoje se entregam a estes “divertimentos” acabem por vir divertir-se connosco quando forem mais velhinhos.
A ver se a gente lhes acha graça…
Cristina Carvalho
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