Capítulo II
Tropos 1
Chove. Faz meses, tudo seco. Agora a grama recolhida na semente se assanha. O embaçado, berço. A varanda, lugar de descanso. A luz de fundo, faca afiada a rasgar o ventre da escuridão. Silêncio. Alguma barriga aberta na clandestinidade. Do ventre o verbo diante da tempestade. Sombra. Criação é esse nascimento sem sêmen e sem óvulo. Sem tempo. O flash nos apartamentos vizinhos surpreendendo instantes. Fótons do cotidiano. Mergulho na escuridão. Negritude úmida. O metal risca linha reta. Da carne perfurada vaza o vermelho. Baba da morte. O embrulho carrega propedêuticas do crime. Tudo é aparência. Ficção. O dedo no gatilho. A mão segurando a faca. A técnica exige enfiar e cortar. Rasgar a aorta. Única luz.
A ideia. Qual tropo sustenta uma ideia? O homem perdido na rua e no desassossego das imagens. A mágica de um roteiro. Na memória a expressão de uma mulher desesperada pela possibilidade de um mínimo movimento levar tudo pelos ares: suas vísceras e história. E a imagem do ambulante, delirante, verborrágica: vazio na perda e a unha a arrancar aflições dos abismos gota-a-gota e dia-a-dia o gelo desfaz-se diante da impossibilidade e os vermes a corroer a narrativa de voláteis frases e zunidos em voos de debandados.
Assim será. Desejar a diferença. Ejacular prazer exige autoria. Assim o juiz de Maupassant. Matou e ressuscitou. Penalizado no gozo. Renasceu morto. Insuspeito. Assim o frei. Batina e promessa. Carne e sêmen. Instintos. Animal não jura. Se ao outro, nunca a si próprio. É do animal lambiscar mamilos. Penetrar. Melar saliva alheia. Tocar cheiros. Distraimentos. Excomungar promessas. No dia… Nem maldito nem bendito. Apenas mais um dia. Estuprou o limite. Retorceu ferros. Quebrou mármore. Escorreu lavra. Libertou-se. Teólogo. Teórico. Fato consumado. Boceta pegou de assalto o credo. Ali deitado. Na bruma do depois.
(continua)
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