RE(-A)NUNCIAR O MESSIAS – Folhetim em Trinta e Quatro Episódios da autoria de Carlos Pessoa Rosa.

Tenho o olhar no desastre causado pelos insetos. A ira transformou-se em pedra. Meu silêncio é um rio de palavras em direção ao nada. O olhar recusa o campanário. Vê dentro. Vive o sangue coagulado na pedra. Caminha nas dobras e nos brotamentos que saem dos interstícios da matéria bruta. Não me pertence a natureza ao redor. Irrita-me o ruído ensurdecedor dos gafanhotos. Traz-me à memória, como ao combatente os cadáveres, a expressão infértil da terra, dos esqueletos de vinhas e figueiras. Qual o papel de um profeta, Senhor, se nenhum dos avisos foi ouvido? Olhando ao redor, tudo retornou. Mesmo o homem com sua embriaguez, surdez e cegueira. Já não há mais tristeza ou luto pela perda, mas festejos à sorte dos que sobrevivem. Hoje, morre-se de fome, apesar de os campos fartos. Os fazendeiros tomam vinho como se fosse o sangue e o suor de bóias-frias.

 

(continua)

Das Letras

Share
Published by
Das Letras

Recent Posts

Gonçalo M. Tavares vence Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018

Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira devido à "originalidade da sua obra…

7 anos ago

Gente Lusitana | Paulo Fonseca

Cornucópia rosada de carne palpitante… com neurónios, comandada puro arbítrio, caminhante… Permeável, errante… de louca,…

7 anos ago