Nasci sonhador. Tão tênue é a linha que separa o devaneio da loucura! A visão da ventania, com a nuvem carregada de fogo e criaturas de quatro rostos e quatro asas, fez com que me calasse diante dos outros. Quando O vi e Ele me disse Filho do homem, alimenta teu ventre e sacia as entranhas com este rolo que te dou, eu sabia que, alucinação ou não, Ele me oferecia a sabedoria como alimento e bebida. Então, comi o rolo. E era doce como mel em minha boca. O mesmo sabor destilado dos lábios de uma virgem, ou daquele que nutriu Emmanuel, segundo as previsões de Isaías. Seja sedutor com as palavras, Ezequiel! Acho que uma voz também pedia que assim agisse, mas avisava que não me escutariam. Somente um demente, além do sonhador, aceitaria uma missão marcada pelo fracasso. Deveria endurecer as dobras do rosto. Tornar a face rija. A testa dura como diamante. Modo de me defender da violência alheia… Escondendo o medo. Seguindo a voz que me guiava, dirigi-me aos exilados e compatriotas. Segui, de delírio em delírio, entorpecido pelo mel e pelo conhecimento, ouvindo ruído de asas de seres vivos que batiam umas nas outras, e o ruído de rodas junto deles, a mão do Senhor sobre meu ombro.
(continua)
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