Não tem fotografia da mãe nem do pai. A dele a mãe queimou todas, nem o álbum de casamento guardou. Com a expulsão, conheceu o gigolô. Fazia ponto em um bar próximo da Santa Casa de São Paulo. Ofereceu-lhe moradia e proteção. Não tinha escolha, foi vendida como virgem um bom tempo. É sempre mais fácil conseguir freguês quando se é jovem, os homens têm esse lado perverso e querem sugar a juventude na fonte. A fantasia da virgindade aliada à idade rendeu-lhes um bom dinheiro. Era um gigolô competente, disso não tinha
queixa. Afora a violência de alguns fregueses, ficar na rua sem gigolô daria cana na certa. Aguardaria os acontecimentos para decidir o que fazer.
Dobrou a Paulista à esquerda. Com a garoa, a cidade lavada, o céu era de blocos enegrecidos de nuvens. De pronto, não acreditou. Pela roupa, só poderia ser o estrangeiro. O sacana comeu, saiu sem se despedir e levou alguns trocados. Parecia cochilar na mureta de cimento. Bronca esboçada, apressou os passos. Parou próximo ao corpo. O sangue pingava do punho e uma poça vermelha formava-se ao redor dos pés do suicida. Ficou paralisada, pernas moles e a imagem de três rostos: o pai, o gigolô e, agora, o estranho. Tratou de arrancar um pedaço do vestido e tentou estancar a hemorragia. Nem o nome dele sabia. De nada adiantava o hospital próximo. Vivo estivesse, que maluco pararia o carro para carregar um estranho sangrando e uma prostituta? Somente alguém em paz com a morte notaria que puta existe. Compreendeu tarde, o estrangeiro fizera tudo muito bem planejado, somente ela não fazia parte do final, fora um encontro casual.
(continua)
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