A LUA É FEMININA – Folhetim em Seis Episódios da autoria de carlos Pessoa Rosa – Quarto Episódio

A mulher do 31 conhece o gosto de todos os uísques. Ela morre e ressuscita todos os dias. Conheceu o ritmo da Lua muito cedo. Daí ser uma das poucas pessoas a sorrir gostoso ao saber das novidades dos velhos. Por que não?, é o que mais se ouve de sua boca. No prédio, todos ignoram a opinião de alguém que afoga os desgostos no álcool. Mas qual alcoólatra não o faz?, mágoas são ofertadas em cada esquina da vida. Também o prazer. A escolha é nossa, de ninguém mais. O homem dela desapareceu muito antes de aparecer esse céu. À medida que cresciam, os filhos também se foram. Nunca mais foram vistos. Os vizinhos habituaram-se com as crises dela, com os bombeiros sendo chamados todos os meses para retirá-la da mureta da varanda. Os amigos rarearam e perdeu o emprego. Nesta noite em especial, ela faz uma promessa ouvindo Bach. Ficará na lista das não cumpridas. A endomorfina cerebral domina. Ela alucina desde criança, escreve compulsivamente e morre. É Lua dia após dia, artista, daí ser a única a aproveitar a claridade da noite para prometer, escrever e beber.

No 13, coincidência ou não, a moça gosta de tarô. Esqueceu as cartas na mesa e tenta descobrir o ascendente da nova companheira. Nasceu escorpião, não é necessário dizer mais nada. Nunca gozou com homens. Adora tudo que é feminino. A Lua é feminina. As nádegas da mulher que dorme na cama têm as cores da Lua. Gosta do cheiro delas. O pó que ajeita é branco. A mãe expulsou-a de casa ao descobrir suas tendências. Era assim que ela chamava: tendências. O pai parecia entender, mas não se esforçou para que ela ficasse. A mãe sempre foi o homem da família.

(continua)

Carlos Pessoa Rosa

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