A LUA É FEMININA – Folhetim em Seis Episódios da autoria de carlos Pessoa Rosa – Primeiro Episódio

O céu encostou os ouvidos nas janelas dos prédios, aproximou perigosamente a Lua e as estrelas, da vida.

No apartamento 22 de um prédio antigo, até o homem que se distrai com a intimidade alheia aponta a luneta para o céu. Nas paredes do aposento, sucedem-se fotografias de mulheres nuas, casais na cama, na mesa e na rua. Sobre uma velha escrivaninha de madeira rústica, a fumaça do cigarro embaça o registro da mímica da família. O cigarro é torcido no cinzeiro e esquecido. Estranha sensação, ser observado por estrelas. A mesma que sentiu ao perceber que a mãe tinha um cheiro esquisito, que todas as mulheres exalavam um perfume ambíguo. Custou-lhe caro a curiosidade. Ninguém mandou a mulher que entrou no elevador vestida de tailleur branco encostar o cheiro no nariz dele. Sabia que a dor sentida ao ser mordida no púbis não chegou perto daquela causada pelos olhos cadentes da mãe. Puxado pelas orelhas, arrastou terra pelas ruas e vielas até chegar em casa. Logo esqueceram…

Hoje, sonhadoras deitam seus seios sobre os parapeitos das janelas sem serem incomodadas. Cheias de criatividade e embebidas na arte da dissimulação, elas sabem que em alguma janela há um homem que desconhece cerveja, pijama e televisão. Imaginam-no de óculos de aros finos e metálicos, barba e bigode à deriva, comportamento tímido e arredio. Desejar não é exclusividade de ninguém, ainda mais quando o outro é um desconhecido, quem sabe, um disfarce, uma luz fugaz em algum quarto de apartamento. Portanto, inútil tentar se vestir para a Lua, nada nesta galáxia será mais primordial e original. Ter esperança não deixa de ser uma pausa da razão… elas sabem muito bem disso.

(continua)

Carlos Pessoa Rosa

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