A CRIANÇA CAIU EM ALGUM RALO DA RAZÃO – Folhetim em Oito Episódios da autoria de Carlos Pessoa Rosa.- Primeiro Episódio

Ziguezaguear passos, coxas bojudas e calcanhares finos metidos em sapatos vermelhos. Amordaçada pela roupa preta grudada às linhas e um echarpe da mesma cor, com delicadas linhas douradas, enrolado no pescoço. Na noite, rostos são difíceis de ver. A mulher bruxuleia o corpo ao ritmo da droga e de Adios Nonino. Dança um tango no vão do MASP, mãos em carícias no sexo. Ritual de sombras sobre o espelho enegrecido da principal avenida da cidade. Tão forte é a música que mulher acredita segurar um filho. Retorna do delírio assustada e com as mãos vazias. A criança caiu em algum ralo da razão. A lâmina foi acerto de contas. É muito semelhante o lamento da música e a necessidade de justiça. Em algum canto escuro e marginal, há um crepúsculo que alberga museus com esculturas e pinturas de anjos perdidos em porões. Ninguém chora no limite, anestésicos adormecem as interfaces e todos caminham na frouxidão da retina. A cidade não é feita de devaneios ou idéias, mas de caminhares, mecânicos e militares passos.

 

 

 

(continua)

 

 

 

»««««

Carlos Pessoa Rosa

Share
Published by
Carlos Pessoa Rosa

Recent Posts

Gonçalo M. Tavares vence Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018

Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira devido à "originalidade da sua obra…

7 anos ago

Gente Lusitana | Paulo Fonseca

Cornucópia rosada de carne palpitante… com neurónios, comandada puro arbítrio, caminhante… Permeável, errante… de louca,…

7 anos ago