7º episódio – O BOM LADRÃO – Folhetim em setenta e cinco episódios

Capítulo I: Mofo Uterino

O pelo rapado. Apenas uma faixa cuidadosamente aparada. Uma delicada borboleta tatuada à direita de quem olha. O sexo identificando a tribo. Mas os temperos que atraem estão além do visual. Atingem o nariz. Cheiro que atrai a língua para seu sexo, alquimia de glândulas que deve atrair o parceiro ideal. Em algum lugar próximo, cães uivam a perda da fêmea. Haverá um casal emparelhado no meio da rua para graça das crianças e chacota dos adultos. Mas foi o cheiro que os fez acasalar. Aqui já não há rivalidade, sou o escolhido neste quarto de janela aberta e sem cortina, ouvindo os sons retorcidos das vísceras da mulher, encaracolando com o dedo indicador os poucos pelos restantes em sua vulva, observando a borboleta aprisionada na pele. Impedida de revoar. Assim foi com a mulher, tatuada nos afazeres domésticos, calada de gozo, metaforizando orgasmo em guloseimas coloridas e saborosas. Onde está você? Que é dele, do duplo? Devia saber… Esse lado voyeur. Sempre devo procurar o imponderável em você. Sobre a luminária… Ver o mundo de cima. Houve alguma coisa? Nada, relaxe, continue a cochilar, é minha mania de falar sozinho. (entre tantas que surgiram depois da morte de Carol). Os pelos encaracolados e alourados, mas Carol não os aparava. A maioria dos homens gosta de mulheres peludas na vulva, quem gosta ao contrário, ao modo infantil, são as mulheres e alguns homens que sentem atração por crianças. Foi bom você convidá-la… Não é de falar muito, detesto mulheres que não param de tagarelar durante o sexo. Bem, você sabe bem disso, não escolheria outro tipo. E já vinha te assediando a tempo. Enquanto atendia o público ficava balançando o traseiro avantajado. Casada. Soubesse portador do vírus maldito… Não queria que usasse preservativo, convenci-a do contrário. Você percebeu o seio? Manga-rosa. E a vulva? Um figo. Modo desusado, ver do alto. Como se no teto houvesse um espelho. Ou será um espelho? Mas o outro de mim não me repete nos gestos, apenas me faz relembrar o passado, sem ele seria um sujeito sem ontem, esse registro que foge de mim como um animal assustado, rabo entre as patas traseiras, ladrando. As mulheres deixaram de ser interessantes… Para você, não para mim! Para o voyeur o mundo perdeu a graça, tudo agora é exposto, não sobrou nada a não ser espiar a vida privada.

 

(continua)

Carlos Pessoa Rosa

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