31º Episódio – Folhetim (II sequência de novelas) – O MÊNSTRUO MÁGICO DAS ORQUÍDEAS GRÁVIDAS – Folhetim em Setenta Episódios por Carlos Pessoa Rosa

Alguns morrem dependurados na cerca, vítimas de alucinações, quando o louco avança em territórios arcaicos com seus manjaléus, deradelfos, dicéfalos e tricéfalos, em orgia imaginária grega, e encontram as armadilhas criadas pelos guardas e funcionários. Há quatro guaritas, uma em cada ângulo do muro, mas nem sempre há guardas ali. Aqui ninguém se estranha além do instante, o território do demente é fistuloso, repetição do improvável, ilha desarvorada do caos, é estar na fenda ou apossar-se dela, mas de um modo marginal e fronteiriço a outro surto que pertence à maioria formada no ritual cuja fenda é ninho de alguma religião, filosofia ou ciência, que instrumentalizam a repetição do provável, eco que mantém o sistema e a normalidade, essa neurose possessiva e de comportamento único do convívio comum. Repetir-se e submeter-se diariamente aos trajetos do emprego, da igreja, da escola, de shopping center, aos prazeres da carne, ao consumo, diante de um mundo definido por regras e placas, mas já nem tanto, todo psicótico surta quando desaparecem as referências e o caos invade as relações, os surtos estão em cada esquina, nas balas perdidas, nas casas noturnas, nas viagens terrestres ou virtuais, no biográfico, respiro balzaquiano de personagens petrificados em hospício coletivo a céu aberto, com horizontes e lebreias, como se houvesse tempo e espaço únicos, qualquer lógica ou razão, essa poética de estrelas e astros perenes… E a cidade passa a hospício, as casas a celas, todo o resto um enorme pátio sem muros e guaritas… A tarde se prolonga como o alcançar em dor o infinito. A tarde se estende sem vibração para nada. Mulheres iguais – guardas – monotonia – cotidiano – dor: HOSPÍCIO (voltei, meu deus. Voltei.). Todos os dias retornar e acordar sem aperceber-se dentro de um surto. Talvez pela ausência de muros e guaritas. Mas há os indícios, as crianças a esmolar nos cruzamentos, moradores de rua carbonizados durante as madrugadas, os chistes políticos, a imitação nas galerias, nos jornais, nas editoras, arte como repetição do mesmo, de pensamentos sem tradução, sem pensar, nem imaginar o buraco negro de uma Maria Lopes Cançado, ou a arte de um Rosário Bispo, a doença nas fotografias da explosão provocada pelo encontro das galáxias, da imprevisibilidade além do instante, fuga…

(continua)

Carlos Pessoa Rosa

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