19º episódio – O BOM LADRÃO – Folhetim em setenta e cinco episódios

Não cedeu à ideia de entre os mortos. Tive a impressão de ter visto jovens saindo do cemitério com peças roubadas dos túmulos. Willer, muito tempo antes; talvez. Não foi delírio. Disse-me que depois ouviram música. Registros inúteis… Os encontros repetindo-se. Nunca mais nos separamos. Vamos morar juntos! Lembro que Carol olhou-me incrédula. Puta é mulher da rua, melhor não arriscar. Você sentado próximo me desafiando. Pois arrisco, vamos pegar suas coisas, de agora em diante morará em casa. Esqueceu-se de Clara? Não, não me esqueci. O que disse? Nada Carol, falo sozinho às vezes. Clara nada falou, sempre foi assim, reprovação era o silêncio, na frente de Carol calou de vez durante semanas até me pegar sozinho. Carol trabalhava. Como pode? Uma mulher da vida! Sem eufemismo mãe, gostei da puta, só isso, é a escolhida. Estivesse vivo seu pai! A opção seria a mesma! Nunca mais cobrou a presença de Carol, evitava ficar conosco, a casa era grande, não faltavam refúgios. Mas Carol não era carinhosa apenas com os fregueses, soube aproximar-se de Clara, despertou-lhe os perdidos nas tortuosidades do feminino, acendeu uma luz na mãe e arejou a casa. Só não tivemos filhos, problema causado pelos abortos. Não fez falta, havia pedaços de gente além da conta ao meu redor e eu não suportaria mais essa possibilidade…

Literatura é nada, disse um dia o velho. Onde o gole de algum excesso ou loucura? Sempre correto, devia dar exemplo aos pares, então, camuflava… Você quer algo melhor que a palavra camuflar? Um dia alguém desvendaria algum segredo, alguma farsa, alguma mentira. O dia em que tudo escorreu para o ralo havia chegado. Quem diria? O grande qualquer coisa mostrando o rosto como se mostrasse o cu. Uma carta escrita com letra de professora e imagens adolescentes. O velho havia se enroscado com uma menina de dezesseis anos. Engravidara. Apareceu em casa no verão, eu atendi ao chamado da sineta, perguntou por Clara, corri a chamá-la, vi quando a mãe retornou, tremia e transpirava muito, o rosto pálido. Trancou-se no quarto, não saiu de lá nem para preparar o jantar do marido. Algo de muito grave havia ocorrido… Precisaria dizer?

 

(continua)

Carlos Pessoa Rosa

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