Há uma mulher, Carol, ainda nem projeto, lembra um pouco a mãe, mas só no visual, nos cabelos ondulados e acastanhados, no nariz e lábios delicados, mas de fala e comportamento decididos, impulsiva, nem imaginar esse outro meu lado assumir as rédeas, Carol não prega um botão e não faz nada que não seja de sua vontade. Foi dela a voz… Não de Clara. Mas nenhuma das duas aqui… O que foi menino? Mania de ficar atrás da porta! A fala vem com um bafo quente, como o mormaço que o vento carrega junto à poeira no verão. Não há mais sombras, não há devir, as pernas amolecem e o coração acelerado, entonação que por si expulsa a criança do lugar, mas o sintoma permanece, saio em disparada pelo corredor, atravesso a cozinha, a ouvir minha mãe perguntar O que foi, viu Satanás? e ver Da Graça, a empregada, traçar com o dedo uma cruz no rosto dizendo Cruz-credo, dona Clara, não diga isso!. Distante, sentado debaixo da jabuticabeira, ainda apalpo o silêncio na esperança de novas geografias, não ouço nada, nenhuma ordem, junto de você esse outro de mim desfiando o medo como se fosse um novelo, acalmando a palpitação no peito, fazendo palhaçada, me levando à gargalhada, nervosa é verdade, imitando o pai bravo, colocando um galho no traseiro como se fosse o rabo do diabo, e os pingos frios da garoa acumulada sobre a copa da árvore molhando nossas cabeças. Lebreia… Origem desconhecida. Talvez variação de neblina. Mas a palavra tem o rastro do ébrio, apesar de curta o decrescente final dá ideia de algo infinito, ‘a’ final que não se esgota. O estranho prazer pelas palavras. De onde? Vamos?
Retornamos… Havia uma criança espiadora que se escafedeu no corredor, túnel do tempo, deve estar debaixo da jabuticabeira, o outro a lhe dizer que haveria a desforra, que o sofá e a velha Remington Rand seriam nossos, Carol na janela ajeita a cortina, nem pensar nessa duplicidade, criança sempre assustada, mas o velho não mais aqui, mas presente o cheiro do cachimbo impregnando cada móvel, cada dobra, cada tristeza. Os mortos não morrem nunca! Talvez por lembrar a nossa própria morte.
(continua)
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