Isto mesmo, retirar o corpo, ele estava incomodando, ocupando o lugar de outro, minha Carol no não-lugar, sempre viveu assim, descompromissada, permaneci com o sinal de ocupado no ouvido, lembrança da mãe quando do aviso do derrame do pai, da existência de palavras fraturadas e do desejo de o tempo retornar a um pouco antes do dito, mas não houve engano, o telefone ficou mudo depois do aviso, nem sei como cheguei ao hospital, o corpo de Carol frio e marcado por manchas roxas nos braços e pernas, uma vontade enorme de ter relações com ela, mesmo morta, misturar-me ao corpo morto, ouvir seu gemido de gozo, ter sua língua na minha boca, seria o modo de me despedir, mas não conseguiria, mesmo sabendo que Carol concordava com todas as minhas maluquices, o que fazer com o corpo? Gelado… Não podiam ficar com ele por muito tempo. Foi você que me levou à funerária, sempre foi mais forte que eu, negociou o caixão, ficamos os dois velando Carol madrugada afora, puta não tem amigos, mas clientes como os médicos, enterrada na mesma cova que nosso pai e mãe, pelos menos cuidaram para que tivéssemos a última morada, sobramos, eu e você, dois nômades em um, como essas propagandas de sabão em pó, carregamos o caixão, leve, muito leve, você pediu para eu falar, então eu discursei, tangenciei as qualidades de Carol, dissertei sobre a importância e a responsabilidade de uma puta, os homens ao lado aguardando minha ordem para enterrarem de vez a morta, não havia mais ninguém além deles e dos fantasmas que ainda não retornaram ao lar. Você se lembra? Era uma sexta-feira de junho. Claro que se
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