Adelto Gonçalves – uma carreira dedicada às palavras | Raphael Matos

Com um novo romance a caminho, o jornalista e escritor Adelto Gonçalves encerra a carreira como professor

Raphael Matos

 

O jornalista e escritor Adelto Gonçalves traçou uma carreira exemplar. Atuou no campo acadêmico como professor universitário nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Direito e, como jornalista, teve passagens pelos jornais Cidade Santos e A Tribuna, na editoria de esportes de ambos e no Estado de S. Paulo, onde foi subeditor de política.

Por meio do jornalismo, conheceu mais de 30 países e foi correspondente internacional da revista Época em Lisboa, onde escreveu uma série de reportagens sobre as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Como escritor, recebeu menção honrosa com o livro Os vira-latas da madrugada, em 1980. No ano seguinte, a editora José Olympio publicou o livro, que teve bastante repercussão na imprensa.

Na época, a Folha de S.Paulo publicou resenha do professor Cláudio  Lembo, que viria a ser governador do Estado anos mais tarde. A obra se destaca, pois é uma das poucas que, dentro do gênero de ficção, têm o golpe militar de 1964 como pano de fundo.

Após 34 anos, o livro ganhou uma segunda edição pela Associação Cultural Letra Selvagem, de Taubaté-SP, com capa e ilustrações do artista plástico Ênio Squeff. O livro traz um acréscimo, o prefácio escrito pelo jornalista Marcos Faerman, que chegou a ser impresso na primeira edição, mas que foi arrancado página a página por pressões de “forças ocultas”, já que, à época, a editora estava sob intervenção, conta o jornalista. Abaixo, a íntegra da entrevista.

 

Primeira Impressão – Como o jornalismo influenciou na preparação dos seus livros?

Adelto Gonçalves – O jornalismo me ajudou a depurar o texto. Quando fiz mestrado em Letras na USP em 1988, já era jornalista bastante experiente, com livros publicados. À época, procurei o professor Mario Miguel González, da USP, e deixei com ele um portfólio de resenhas de livros de autores hispanoamericanos que já havia publicado. E ele me disse que não precisava de mais nada para começar o curso de mestrado.

 

PI – Você recebeu diversos prêmios por seu trabalho como escritor. Existe algum que deixou uma recordação especial?

AG – A menção honrosa que ganhei do Prêmio de Romance José Lins do Rego, da Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, em 1980, com o livro Os vira-latas da madrugada. Eu nunca mais havia relido o livro, o que fiz só agora para acompanhar a revisão para a segunda edição. Fui tentado a reescrever algumas passagens, corrigir alguns pequenos erros de gramática ou mesmo retirar algumas expressões em nome do ideal do politicamente correto de hoje, mas, por fim, optei por deixá-lo praticamente como apareceu em 1981, mantendo o tom coloquial e “espontâneo” da narrativa, que mais se aproxima da naturalidade das personagens do beira-cais.

 

PI – Qual sua inspiração para escrever?

AG – Como intelectual, tenho duas facetas: como ficcionista, estreei com o livro de contos Mariela Morta, em 1977, em edição de autor. Além de Os vira-latas da madrugada, publiquei o romance Barcelona Brasileira, que saiu primeiro em Portugal pela editora Nova Arrancada, em 1999, e depois, em 2002, pela Publisher Brasil, de São Paulo. O livro saiu primeiro em Portugal porque, em 1997, quando publiquei Fernando Pessoa: a voz de Deus, livro de artigos e ensaios, pela Editora da Unisanta, o ex-embaixador do Brasil em Portugal, José Aparecido de Oliveira, enviou um exemplar para Dário Moreira de Castro Alves, outro ex-embaixador brasileiro em Lisboa, que, à época, estava escrevendo um prefácio para um livro sobre Fernando Pessoa para a editora Nova Arrancada e citou o meu livro nesse texto. Então, a Nova Arrancada se interessou pelo meu trabalho sobre Pessoa, mas acabou optando por publicar o romance Barcelona brasileira, depois que informei que era um trabalho inédito. Como pesquisador, tenho ainda um trabalho inédito, O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo (1788-1797), que desenvolvi em 2013-2014 com bolsa de pesquisa da Universidade Paulista (Unip).

 

PI – Como foi sua primeira experiência no jornalismo?

AG – Comecei como repórter de esportes do jornal Cidade de Santos, à época em que estava no segundo ano da Faculdade de Comunicação da atual Unisantos. Fiquei três meses e passei para a seção de esportes de A Tribuna, de Santos, onde permaneci até me formar em Jornalismo em 1974. Em 1975, fui para o Estado de S.Paulo e lá cheguei a subeditor de Política.

 

PI – Você já foi correspondente da revista Época em Lisboa. Teve alguma dificuldade em se adaptar ao outro país? Sofreu algum preconceito por ser brasileiro? O que isso trouxe de experiência?

AG – Nunca sofri nenhum preconceito por ser brasileiro. Pelo contrário. Fui correspondente da revista Época em Lisboa ao tempo em que estava lá para pesquisar a vida e a obra de Bocage. Fiz várias reportagens interessantes para a revista sobre as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, inclusive uma sobre a casa onde morou e morreu Pedro Álvares Cabral em Santarém.

 

PI – Em sua opinião, quais as características de um bom jornalista?

AG – Em primeiro lugar, um bom jornalista brasileiro deve dominar a Língua Portuguesa, seu instrumento de trabalho. Com o tempo, vai aprender a investigar e a produzir boas reportagens. Infelizmente, o que se vê hoje imprensa brasileira são matérias mal escritas. Além de acabar com a seção de revisão, os jornais, para cortar despesas, dispensaram os redatores mais experientes. O ideal é manter uma redação mesclada de jovens e jornalistas mais experientes.

 

PI – O que mais lhe satisfez na carreira de jornalista?

AG – Foi a oportunidade de conhecer mais de 30 países. Hoje, sou assessor cultural e de imprensa do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, depois de visita que fiz àquela instituição em 2011. Por indicação do ex-embaixador Dário Moreira de Castro Alves, escrevi os prefácios de dois livros de contos de Machado de Assis que foram publicados pelo Centro em edição russo-portuguesa em 2006 e 2007. Os estudantes russos de Português do Centro gostaram tanto de minha visita que eu e minha esposa fomos recepcionados com bandeirinhas brasileiras na estação ferroviária de São Petersburgo, um momento inesquecível. Participei também do livro Studi su Fernando Pessoa, publicado em 2010 na Itália. O livro reúne os maiores especialistas do mundo em Fernando Pessoa (1888-1935) na visão de seu editor, o professor Brunello De Cusatis, da Universidade de Perugia. Continuo a escrever resenhas de livros. Sou colaborador desde 1994 da Revista Vértice, de Lisboa, e escrevo com frequência para o quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e para o Jornal Opção, de Goiânia. Escrevo ainda para sites do Brasil e de Portugal e para uma revista digital de Moçambique, a Literatas. Já escrevi prefácios para livros de três autores moçambicanos.

 

PI – Dentre os livros que você escreveu, qual é o seu favorito?

AG – Penso que o romance Barcelona Brasileira foi o livro que me deixou mais satisfeito. É um romance que trata do anarquismo no porto de Santos na década de1910-1920. E vai até a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922.

 

PI – Quais são seus próximos projetos?

AG – Em 2014, encerrei minha carreira como professor universitário. Agora, moro numa pequena cidade do interior de São Paulo, mas continuo a atuar como assessor de imprensa na área empresarial. Com a tranquilidade da vida numa cidade do interior, penso em aproveitar o tempo para concluir um romance que já tem título: Memorial Republicano. Aborda um caso de corrupção nos primeiros tempos da República no Rio de Janeiro. O romance já anda por volta de 60 páginas, mas ficou parado por falta de tempo.

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* Publicado no Primeira Impressão, jornal-laboratório da Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade Santa Cecília (Unisanta), de Santos-SP, nº154,  maio/junho 2015, pág.39.

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Os Vira-Latas da Madrugada, de Adelto Gonçalves, com prefácio de Marcos Faerman e posfácio de Maria Angélica Guimarães Lopes, ilustrações e capa de Enio Squeff.. Taubaté-SP: Associação Cultural LetraSelvagem, 216 págs., 2015, R$  35,00. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br   Site: www.letraselvagem.com.br

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