“Conhecem Eeva Park, a autora bem sucedida da Estónia? Ou Sigitas Parulskis, o vanguardista da literatura da Letónia? Também Slavenka Drakulic, uma das escritoras mais famosas da Croácia, é desconhecida por uma grande parte do público europeu”. As palavras são de Ingrid Hamm, presidente da Fundação Robert Bosch, na abertura da terceira edição do “Relatório Cultural – Progresso Europeu”, uma edição do Instituto das Relações Internacionais (“ifa”) e da própria Fundação Robert Bosch em cooperação com o British Council, a Pro Helvetia, a Fundação para Cooperação Teuto-Polaca e ainda a Fundação Calouste Gulbenkian. Os escritores referidos por Ingrid Hamm estão entre mais de trinta, com origem em 18 países diferentes, que participam na estimulante publicação.
Os problemas abordados no Relatório são variadíssimos e merecem leitura atenta. Por razões muito diversas. Desde logo porque o papel da literatura, enquanto interface de ligação entre culturas diferentes, é extremamente limitado, devido ao difícil trânsito a que as traduções estão sempre sujeitas. Com efeito, a larga maior parte das traduções entre línguas literárias europeias tem como base o idioma inglês. Com as devidas excepções, são principalmente os escritores da Europa Central e Oriental que permanecem quase desconhecidos no lado mais ocidental do continente. Por outro lado, tal como o Relatório releva e aprofunda em diversos artigos, nomeadamente no texto assinado por Aam Thorpe, o facto de se traduzir intensamente não tem como significado imediato o entendimento mútuo, sendo amiúde reforçados “os antigos clichés em nome da exigência por boas quotas de vendas: a melancolia escandinava, o trauma polaco, o sexo francês”.
Sebastian Korber, Vice-Secretário Geral do Instituto das Relações Internacionais (“ifa”), sintetizou, de modo particularmente centrado, algumas das questões chave a que este oportuno Relatório tenta dar resposta, nomeadamente: “Como caracterizam os escritores a cultura europeia? Quais os avanços e retrocessos observados, na Europa, nos últimos anos?” Ou ainda: como está o continente reagindo e interagindo face ao progressivo papel da digitalização? Que mediações existem, na criação literária, entre a potencialidade dos 140 caracteres do Twitter e a tradição de fôlego de um Guerra e Paz de Tolstoi? Angus Phillips ou Ruediger Wischenbart, entre outros autores, relativam nas suas intervenções estes problemas, sugerindo leituras variadas das realidades emergentes – relativas às tecnologias, aos mercados eou às políticas europeias do livro – e propondo aproximações interessantes.
O volume, de layout cativante (da autoria, já agora, de Eberhard Wolf), surge dividido em duas grandes áreas – “A Europa Lê” e “Progresso Europeu? – e reúne textos de intensidade e problematização muito diferenciada. Salientaríamos, no entanto, salvaguardando outras opções e entradas, algumas das abordagens, mais incisivas, casos de Uma declaração de amor (Umberto Eco), Ser Traduzido ou não ser (Gabriella Gonczy), Espaços em rede (Sigrid Bousset), Pequenas e grandes nações tradutoras (Josep Bargalló), Velha mas não necessariamente sábia (Ulrike Draesner), Cultura do medo (Beqe Cufaj) e Tão perto e mesmo assim tão longe (Immanuel Mifsud).
Este último autor, Immanuel Mifsud, natural de Malta, enfatiza, no seu artigo, um problema que, sendo aparentemente um problema maltês, acaba por reflectir os alicerces da Europa contemporânea: “Malta sempre se teve em primeira instância como país Europeu, apesar da forte influência árabe na sua cultura e, acima de tudo, na língua. Mas, por outro lado, torna-se também evidente que tanto escritores favoráveis à Europa como políticos fazedores de opinião deixam na ambiguidade o que significa ser europeu. Este facto não causa grande estranheza, se tivermos em conta que esta atitude dúbia é partilhada por muitos outros europeus”. Dir-se-ia, a terminar, que esta “indecibilidade” – para recorrer a um termo de um autor que pensou a Europa de modo muito particular (Jacques Derrida) – é bem mais uma questão de textura cultural rica e variada do que um factor de angústia. A literatura sempre soube conviver com o baixo-relevo acidentado das diferenças, mesmo se expostas e até em ferida. Aliás, este Relatório apenas o confirma. A não perder, portanto.
Luís Carmelo
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