O Despertar dos Verbos – o prefácio

A poesia existe em estado latente na alma portuguesa. Só pode ser. Escreve-se versos, publica-se livros e prefacia-se um pouco por todo o lado. E são raros os momentos em que tropeçamos no fluir de sentimentos nascentes da mais intensa inquietação, numa poesia para ser apreciada palavra por palavra, frase por frase, conceito por conceito, porque toda ela é densa, sofisticada, significante.

 

Em “O Despertar dos Verbos”, de Mário Domingos, encontramos essa dádiva duma poesia inteira, para a qual deveremos estar totalmente despertos em todos os nossos sentidos, pois a beleza é grande, a qualidade é muita, as palavras soarão como cada um de nós as souber aproveitar.

Estas palavras, que aqui replico, foram retiradas do prefácio escrito por Cristina Carvalho. Palavras agitadas e duma inquietante clareza, palavras lúcidas dedicadas a um livro que as merece por inteiro. O prefácio abre de forma acutilante:

Da Poesia,
Que não é estado de espirito; que não é necessidade; nem intempérie de amor, nem rumor ou piedade, nem doença nem saudade.
Não é, certamente, um acumular de palavras num esforço patético de dar voz aos amores e dar voz a coisa nenhuma.

Desconheço se, em poesia, podemos falar de expectativas criadas, mas o texto de Cristina Carvalho coloca a nossa experiência de leitura num patamar bastante elevado. Esse é o lado empolgante da poesia. A boa, a má, tudo o que se escreva encontra sempre um leitor satisfeito. Mas só a grande poesia replica em nós universos de uma transparência cósmica que doutra forma não seriam revelados e dos quais não existe regresso possível.

A recensão no Acrítico, leituras dispersas.

António Ganhão

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