Os aspectos linguísticos da produção literária de Luandino Vieira e Uanhenga Xitu foram o realce de uma palestra proferida recentemente em Paris pela Professora Universitária Ana Mafalda Leite.
A palestra sobre “Tematização linguística na literatura angolana” foi organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian de Paris sob proposta da Professora Agnès Levécot da Universidade Nova Sorbonne (Paris 3).
Durante a sua apresentação, a Professora Ana Mafalda Leite da Universidade de Lisboa, especializada em literatura africana, escolheu estes dois escritores angolanos, por melhor encarnarem a transgressão na maneira de escrever a língua portuguesa que constitui uma especificidade da literatura angolana.
Em sua opinião, essa transgressão é manifestada não só pelo aportuguesamento de palavras e expressões de línguas africanas de Angola, sobretudo o Kimbundu, mas também pela transposição de estilos de expressão próprios da oralidade para a escrita, tendo Luandino Vieira descrito episódios da vida urbana em Angola enquanto Uanhenga Xitu se consagrou fundamentalmente a acontecimentos ligados ao meio rural ou semi-urbano.
Para ilustrar o trabalho de Luandino Vieira, Ana Mafalda Leite escolheu a sua obra “Luuanda” que lhe valeu um polémico prémio da Sociedade Portuguesa dos Escritores em 1964.
Luandino Vieira não foi o primeiro a utilizar as línguas locais na literatura em português, tendo de alguma maneira recuperado uma tradição do século XIX, cujo representante mais ilustre foi Cordeiro da Mata que até tinha concebido um manual, uma gramática e um dicionário em kimbundu, na tentativa de atribuir a esta língua africana a mesma dignidade que o português. Alfredo Troni foi outro dos precursores através da sua novela Nga Muturi.
A também poetisa e ensaísta indicou que autores angolanos de gerações muito mais jovens como Ondjaki garantem a continuidade desse estilo que muita caracteriza a moderna literatura angolana.
No que diz respeito a Uanhenga Xitu, Mafalda Leite escolheu para ilustração “Mestre Tamoda” que considerou um exemplo da comédia trágica representada muitas vezes pelos africanos de Angola no contexto da política de assimilação.
Citou outras obras do mesmo autor como “Manana” e “Makas na Sanzala” através das quais episódios da vida das populações de aldeias da Angola colonial são descritos, transpondo estilos de expressão próprios à oralidade para a escrita.
Outros escritores angolanos contariam histórias sociais utilizando línguas locais no português de maneira mais discreta como é o caso de Boaventura Cardoso e Arnaldo Santos, enquanto outros utilizam na escrita a linguagem falada dos jovens urbanos, como o Manuel Rui ou então recuperam apenas uma lógica determinada na maneira de contar estórias, como o Pepetela – disse.
Ao longo da exposição foram lidos extractos de obras dos escritores angolanos a que se fazia referência, com destaque para “Mestre Tamoda” recentemente traduzido em francês na antologia de contos angolanos editada pela Présence Africaine para a UEA com o título “Chasseurs de rêves” e que muito divertiu a assistência.
Na sala de conferências estavam expostos exemplares de livros de escritores angolanos, entre os quais, Luandino Vieira, Rui Duarte, Victor Burity da Silva, Agualusa, Pepetela, Paula Tavares, Ondjaki e Manuel Rui.
A conferência contou com a presença de participantes franceses, portugueses e de diferentes países africanos de expressão portuguesa, além dos angolanos.
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