Abrem-se dedos… | Rui Almeida

Abrem-se dedos a partir de mãos fechadas
E mãos se estendem para abrir portas, gumes
De lâminas rasgando a tensão do que se diz.
Sobrevoam-nos os desejos, as perdas, tudo
Quanto se acumula nas fissuras desta força
Para além do corpo, sentida por debaixo
Da pele ou dos músculos ou do que deles faz
As vezes naquilo a que chamamos emoções
Ou remetemos para o indizível, para aquilo
Chamado alma, o que anima, o que dá cabo
Das sombras. Circulam em nós pedras, coisas
Sem nome, restos de vida, sedimentações
De momentos, uns por cima dos outros, sem
Ligação entre si. Abrem-se dedos, abrem-se
Corpos com a força de facas, rasgões que já
Não sabemos se são metáforas ou versões
Literais de uma fome a tornar-se concreta, luz
Dolorosa, água a ferver nas tripas, gelo a queimar
A epiderme dos lábios, a sulcar a polpa das
Palavras e dos lábios. Tocam os nós dos dedos
Secamente no mármore liso, os ossos ressoam,
Ressaltam na mesa onde nunca comemos. A morte
Vem mantendo-nos vivos e vivemos, sangramos
Da forma mais aberta possível. Somos de outra
Solidão que não esta de ver passar gente. Somos
Antes de mais da solidão que nos dá a paz,
O leite fervilhante da violência no coração. O nome
Disto está oculto entre os restos da colheita
Na seara, semienterrado nos torrões da leira pobre,
Pronta a ser abandonada. Isto não tem nome.