Poema de Aguardente em Casca de Noz…
Quando lemos os poemas de Telmo Barreira, o que se experiencia é tal e qual o estalido frenético que provocaria um shot. Sim, um shot de aguardente. Uma espécie de choque a percorrer o corpo, num compasso de êxtase, primeiramente quente e consolador, em seguida desconfortável, quase doloroso, espraiando-se, por fim, numa sensação dormente e apaziguadora. Depois da casca de noz aberta e do preciso elixir bebido, verifica-se que esta aguardente só poderia estar contida neste invólucro orgânico e natural, como orgânica e natural é a jornada da própria existência.
A viagem começa na infância, com a aguardente ainda a descer-nos pela garganta, tranquila e reconfortante, numa recordação entrelaçada de sonho, identidade e ninho. E por aí nos deixamos guiar, pausadamente, como se a nossa própria infância recordássemos, num ambiente confortável de colo e amor. Os momentos da feliz inconsciência das coisas, onde tudo tem o tempo certo, onde podemos, entre palavras, fazer as pausas prolongadas dos pontos finais…
Mas a aguardente vai descendo e um ardor, desconcertante primeiro e insuportável depois, apodera-se do nosso peito… É o bulício, a experiência, a vida. Nesta ardência provocada pelo líquido, quer-se cortar com o passado e percorrer caminhos imaginados originais. Este calor que sentimos, no peito e na mente, transforma-se em febre que queremos apaziguar com o arrebatamento das descobertas, das experiências. Queremos respostas! Porém, as respostas tardam. Das sucessivas tentativas, ficam as desilusões, a solidão… Quem somos? Quem queremos descobrir nesta viagem vertiginosa? E a aguardente arde cada vez mais cortando, por breves segundos, a respiração. Um grito desesperado solta-se da garganta. Ficamos quietos e ainda exaustos arriscamos inspirar de novo. Depois, já com o peito cheio de ar, aventuramos a compreensão da pessoa em quem nos transformámos, quem emergiu destes pântanos por onde andámos. Talvez o amor, os amores, nos possam dar algumas respostas.
Mas o tempo passa inevitável, fatal. Trazendo consigo uma sucessão de várias perdas e a maior perda de todas, a Morte. A aguardente já não anestesia. A Morte… misto de encanto sedutor, qual feiticeira inatingível, e horror repulsivo perante a consciência da perda irrevogável e do sofrimento provocado. E a própria existência é posta em causa. Para quê tudo isto? Para quê as experiências, as sensações, as descobertas, o sofrimento se tudo acaba inevitavelmente com a Morte? Onde nos refugiarmos? Para onde fugirmos se a nossa condição humana é nada quando comparada com as grandes forças do Universo?
E eis que, ao contrário do esperado, começamos a sentir um calor apaziguador a espalhar-se pelo corpo e o torpor reconfortante da aguardente surge no âmago do nosso ser. E desta experiência emerge, finalmente, quem somos, quem sempre fomos mas que tentámos esquecer: o eterno menino que brinca, lá atrás, no colo de sua mãe. Esse que quis conquistar a lua, mas nunca esqueceu a sombra que sempre teve colada aos pés. Esse que permite esconjurar os demónios e possibilita um reencontro com a verdadeira alma da nossa existência. Apesar de não sermos o mesmo menino é nele que nos reencontramos vezes sem conta.
Vale a pena? Vale. Porque quem sabe quem é já pode “sonhar-se feliz”.
Obrigada por esta viagem.
Sónia Lavaredas
In Prefácio da obra Poema de Aguardente em Casca de Noz
O autor
A 31 de Janeiro, do ano de 1983, nasce, em Bragança, o autor Telmo Filipe Fidalgo Barreira, onde vive até aos seus 18 anos de idade, altura em que termina o ensino secundário e ingressa no ensino superior.
Manteve desde muito cedo uma relação de intimidade com a arte literária e musical, envolvendo-se, com a sua singular paixão, em diferentes projectos, da palavra dita do “Spoken Words” ao Rock’n’ Roll.
Muda-se para Chaves, onde permanece durante 4 anos, licenciando-se em Enfermagem no ano de 2005. No mesmo ano, troca o Norte pelo Sul e é o Algarve que o acolhe por mais de uma década, tendo vivido nas cidades de Portimão, Almancil e Faro.
O Porto, onde também viveu, reforça e acorda no autor a vontade autodidacta da criação subterrânea e alternativa, mantendo durante vários anos contacto com a genialidade desconhecida de vários poetas libertinos, músicos e amantes iludidos pelas vertiginosas noites de insónia.
Apesar do autor, assumidamente, negar um sentimento de pertença a um lugar, dizendo-se “sem morada nem fronteiras”, reconhecendo que quando gastamos tempo demais a viajar, tornamo-nos estrangeiros no nosso próprio país, parafraseando René Descartes, a sua escrita assume esse papel marginal, porém, revela ter raízes igualmente profundas e apaixonadas na terra e no mar, na infância e nos sonhos perfumados da juventude… Restos de ilusões que sobram das suas vivências passadas no Norte e no Sul de Portugal, com vestígios idílios das suas viagens pelo mundo.
Actualmente a viver em Madrid, mantém presente a mesma urgência criativa, a mesma avidez pelas palavras e pela poesia, reafirmando-se um sonhador, utópico, itinerante de fantasias edénicas.
Este Poema de Aguardente em Casca de Noz, assume-se como sendo o seu primeiro trabalho editorial, apesar dos acumulados esboços literários que, há muitos anos, vai multiplicando em numerosas colectâneas anónimas que guarda consigo.
Os textos aqui apresentados evidenciam a invulgar maturidade estética, artística e literária do autor, unificando uma escrita musculada com a eloquente capacidade de expressão. Visceral, profunda e, acima de tudo, sensível e emocional, esta obra denuncia a mestria deste novo autor.
Um “livro de aguardente” que é uma viagem, um ciclo perfeito, com vários pontos de equilíbrio entre a infância e a mocidade, a vida e a morte, num jogo de metáforas criativas, manifestando uma genialidade intimamente reflexiva e autobiográfica.
Nota sobre o autor In Poema de Aguardente em Casca de Noz
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