Gnaisse, o novo romance de Luís Carmelo.
Gnaisse é um livro absolutamente ímpar, de uma escrita tão madura na forma como intempestiva no tema e conteúdo, de uma arquitectura surpreendente, na qual cada adumbração tem um valor pelo menos igual ao objecto ou facto que visam dar a conhecer, em regime de sucessão de perspectivas, sem a monotonia da manutenção da identidade entre elas (mantém-se as coisas, mas o que são as coisas sem quem as veja). Valério Romão (retirado do face).
Um professor está apaixonado por uma aluna que gosta de Nietzsche, de bonsais e de garrafas de gás. A aluna desaparece subitamente. O professor frequenta então um templo religioso, faz promessas, é invadido por sonhos que o avisam dos perigos que corre e, um dia, muda de casa e volta a fumar. Na nova casa, há uma vizinha que grita a certas hora da noite. O professor tem saudades da aluna. Desesperado, decide mudar de identidade e torna-se cada vez mais parecido com Allan Poe (quando fotografado por Mathew Brady). As saudades são tantas que o professor, transtornado, vê a aluna em todo o lado: na pastelaria do bairro, na tela do cinema, nas sombras da sua própria varanda. Duas mortes ensombram, a certa altura, o percurso e o destino do professor. Tudo se altera de repente, como se a realidade relatada não passasse, afinal, de um truque de prestidigitação. A chegada inesperada da irmã do protagonista parece ser a chave que tudo irá solucionar. No entanto, os arrestos de bens e as penhoras aproximam-se. Mas é o fogo que acabará por devorar tudo, no preciso dia em que a casa é penhorada. Resistindo às hostilidades do mundo, o professor encontrará a sua antiga aluna ao rodar a manivela de uma caixa de música. Sob o pano de fundo da crise, Gnaisse é um romance de mistérios que passam o testemumho entre si, tal como acontece entre os estratos das rochas metamórficas. Uma metáfora da repetição e do efémero que dá a ver a vida em processo – ou em frenesim – e não atada (num embrulho literário) com um lacinho.
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