Buddy. Gringo. Alemão. Estes os nomes. Outros mais talvez. Que tantas as paragens até aportar ali no bairro. A Lapa. O coração do Rio.
Seguia-o de longe, seu vulto nobre que já se perdia na esquina deserta. Seus passos seguros. Iguais. Revi-o no cabaré Novo México onde fomos apresentados por Margot, a amiga que me dava guarida. Um silêncio demorado, a memória que mais permaneceu deste primeiro encontro. Contavam-se histórias. Fiquei pelo bairro. Encontrei um quarto.
Jovita, a gata rajada, enroscada no pequeno sofá, nem se mexeu quando abri a porta. Um vento leve balançou a cortina de vidrilhos coloridos.
Uma corrente com a cruz de prata, meio maço de cigarros, um isqueiro. Também tua carteira e uma agenda sobre o criado mudo. O tempo sem tempo no qual ressona de bom dormir. O lado esquerdo da minha cama.
Fios soltos. Fiapos.
Apagadas nas sombras, as últimas casas do beco pareciam ainda mais velhas, mais sujas. Um rumor vivo, de vozes, vazava das janelas entreabertas. Perto, a noite. Aquela, a casa. Restos de frases. E os operários que retornavam do trabalho.
Só muito tempo depois – sob a pouca claridade da luminária antiga – a figura pesada à porta do sobrado emerge solta, deslocada do que o rodeia. Buddy. Seu rosto que se volta na minha direção. Um estremecimento. E nem me apaziguava a certeza de que não podia me ver. Que os olhos. Iguais os seus olhos. Os olhos de um furor demoníaco.
Que houve aquele momento: sem perdão, sem igualdade de defesa. Súbito, o negror da dor. Este o lado do meu peito. Depois, o corpo dobrado nos joelhos. Os ruídos, um grito: o meu próprio grito. Vultos esfumados e o vermelho brilhante dos coágulos de sangue nas pedras rugosas do calçamento. Uma nuvem fúnebre, de desespero e indignação. Um desassossego. O que pulsa em mim. Estou no miolo deste mundo morto.
E quando retorno cabisbaixo em direção à avenida que corta o bairro antigo é alta madrugada. Dobro a primeira esquina à esquerda e me junto aos que já me aguardam na rua deserta. Um cortejo. Uma legião sôfrega. Como se viessem de longe. Ou mesmo de muito perto. E coroados de fé. A fé dos peregrinos.
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