«Gosto das crónicas de diversos autores, mas gosto igualmente, de me perder […] noutro género de livros, de outras obras. E digo perder-me, porque assim é. Perder-me no labirinto da criatividade. Perder-me e voltar a encontrar-me no enredo, na vida das suas personagens. Agarrá-las, deixá-las ir e reencontrá-las. O escritor a (parecer) brincar às escondidas. Por vezes, a desconexão coerente da escrita, ora para cá, ora para lá, numa dança onde as palavras são música tocada por muitos pensamentos. Controlados, ou loucos, numa vertigem de sabedoria, numa imaginativa de arquitecto que projecta, inventa e reinventa, num rigor que baila ao sabor dessa música misteriosa regida pela batuta (caneta, teclado?) que dirige a sua mão. Perco-me e perco-me. E volto a perder-me. E volto atrás. Às vezes, volto atrás. Releio outra vez e outra. E entendo depois. E prossigo a leitura em busca de mais enigmas, da ponta da meada, de mais palavras desconcertantes, impenetrantes, onde possa pousar a preferência dos meus olhos e a exactidão do meu entendimento. Geralmente, agradam-me os títulos, a não destoar dos conteúdos. […]. Sim, gosto de certos estilos de escrita a lembrar, nas linhas das páginas, as teclas de um piano envolto no enigma e no sortilégio de um segredo. Fico a pensar. Fico indecisa. Por momentos, as linhas ganham-me na corrida. E torno à parte cimeira da página, a descê-la devagar. A despi-la devagarinho. Por completo. Para finalmente a entender. Para conseguir acompanhar o seu passo, o seu objectivo, com o autor a expressar-se de modo a tornar difícil, difícil, a sua leitura. E o prazer que dá entendê-la? Por fim, acabar por entendê-la? É um exercício mental. Um esforço recompensado. Sim, é isso. Mas um prazer desusado ler livros assim.»
Soledade Martinho Costa
Do livro «Uma Estátua no Meu Coração»
Edições Vela Branca
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