DA MORTE, COM PAVOR | Rui Sobral

A luz da manhã cheirava a terra encharcada com pétalas de rosas brancas. As mariposas invadiram todas as horas daquele tenro e precoce início de dia. Os tons frios da loucura estavam quentes demais, e a tarde, a meio, emancipava a aurora da noite. No júbilo da vida, hoje, os confetis são negros e as dores pinceladas a sangue ardente. Nunca um dia foi tão prazeroso com os teus sentidos. Tu não vais conhecer a nunca que se avizinha para os outros. A aurora do escuro não será literal. Este é o último dia da tua vida.

E se hoje for o último da tua vida? E se hoje encontrares a morte? Nua. Rôta. Viva! O que ficou por viver? O que te faltou fazer? Se hoje for a tua última jornada, vais feliz? Jamais a tua existência será onde moraste.

Daqui a nada, terás o regalo da última toilette. Vais ornamentar um rectângulo de madeira, da melhor – alimento para bichos armados em abutres. Vão preparar-te de forma nobre? Honrada? (…) o que importa? Tu já não estarás cá, além disso o corpo é fachada.

Certamente, a frustração passará a ser o teu nome. Vida pobre – a tua. A tua morte é mais importante que a tua vida. A vida, essa montanha, é tua e dela fizeste o que quiseste e pudeste e conseguiste. A morte, essa cabra, também é tua mas espelha a verdade não alcançada porque não quiseste, não pudeste. Não conseguiste.

Se hoje não for o último dia da tua vida, agarra a morte. Cada segundo que passa é irremediável. Nunca deixes de dar a mão ao abismo, à morte por é ela que determina o que devias ter feito ou tentado fazer. Com sorte, quem sabe, o dia de amanhã não será ainda teu? Quem sabe se só sabe a morte?

Rui Sobral

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