A propósito de “A Dobra do Crioulinho”, de Luís Carmelo | Teresa Sande

Escrevo estas palavras como leitora. Não está aqui em causa a análise literária exaustiva, que

deixo para os peritos, mas a simples tradução do impacto que a leitura deste romance me

suscitou. As frases iniciais transportam-nos de imediato para uma paisagem em que apetece

entrar. E olhar. Pode ler-se, em dado momento: ”A paisagem é a súmula demorada de todos

os olhares que até hoje a terão esboçado.”. Entrei, portanto, com a lentidão de quem se quer

demorar, com o olhar pronto a desenhá-la ao ritmo do espanto.

Deixei-me conduzir por imagens assombrosas, que foram construindo à minha passagem um

mundo novo, que fui desbravando numa permanente descoberta. Entrei numa vila. E era

como se já lá tivesse estado, e conhecesse as gentes que a habitavam, tal o realismo do retrato

criado. Caminhei no empedrado imaculado, entrei na livraria, passei junto ao café, demorei-
me em frente à Igreja de Nossa Senhora dos Ares. Conheci as pessoas que se movem por

estas ruas, entrei nas suas casas. Percebi as suas tristezas e os seus sonhos. Despedi-me com

a saudade de quem deseja ficar, só mais um pouco. No olhar, a promessa de um regresso.

Talvez eu tenha deixado naquela paisagem um pouco de mim. Afinal, os meus olhos também

a esboçaram. Penso que, ao ler uma história, o leitor mergulha no mar de sonhos de quem

a escreveu. Ao sair, deixa lá os seus próprios sonhos. E aquele mar torna-se, de repente, um

oceano.

Obrigada ao autor por me ter permitido a entrada neste pequeno mundo encantado, onde

puras delícias espreitam a cada esquina.

Teresa Sande

(Luís Carmelo, A Dobra do Crioulinho, Editora Quidnovi, 2013)

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