NÓS – OS RACISTAS | Rui Sobral

 

 

Os dias aqui começam mais tarde. Lá, no oriente, nascem mais cedo. O frio, por esta altura, engana os rostos esguios. Rostos pálidos, repletos de cores mortas. De estômago acordado, fazem-se às escadas, às mudas e “atapetadas” escadas. Descem – os dois.
Já no estabelecimento, vislumbram a cidade desconhecida e ainda deserta pelo vidro da porta fechada. Quando aberta, nós – como zombies, entramos por lá como se de uma corte de porcos de tratasse. Aos porcos, estes mais cabisbaixos que porcos, que encontramos pelos corredores, vamos ignorando a sua presença, ora conscientemente, ora inconscientemente. De cara fechada, no meio de murmúrios deselegantes, servimo-nos das coisas que por lá vendem. No balcão, habita o anónimo que connosco se cruza todos os dias. Não lhe conhecemos o nome, aliás, a sua morte, para nós, seria até irrelevante. Sem bom dia ou obrigado, pagamos o artigo com moedas mais caras que a semelhança que nos devia unir. Seguimos caminho. Eles, os da corte, ficam lá. Mais um dia. (…) Mais um zombie. Fossem somente essas as razões da tristeza que os assombra.
De todas as lojas, só as “dos chineses” não têm nome. O preconceito torna-nos mesquinhos. Faz de nós, racistas.

Os meus ouvidos costumam comer ilações reflectidas. Antes fossem irreflectidas. Mas não são. São sujas. São coisas como só vendem merda! ou eu não entro na loja dos chineses ou vêm ESTES para aqui dar cabo da economia. Aceito a opinião de todos, como todos, mas há coisas ferozes. O racismo deles é cruel. Engana-lhes a essência, ou, enganados, o espelho fita-lhes a sua real essência.

Ao patriotismo! – gritam os pseudo-patriotas, ou lá o que são. Eu, de patriota nada tenho e se tivesse não seguiria a estrada desses zombies, garantidamente. Eu sou de país nenhum. Nem do mundo sou. O mundo é que é de mim. Eu sou apenas das gentes, dos animais, das plantas. Do nome das terra, sirvo-me apenas. Vivêssemos todos assim e o bom dia e o obrigado seria cantado bem alto.

No país onde vivo, nada me espanta. Tenho pena de não haver mais multiculturalidade. Deixa-me triste desconhecer a relativização na maior parte dos indivíduos. Fico triste por ficarem tristes por partilhar um pedaço de terra chamado Portugal. O mundo são as pessoas e outros respirantes. Portugal é dos italianos, marroquinos, peruanos e chineses. O resto, para mim, são mesquinhices.

Bem sei que temos tendência para o desaforo, para bater no cego, para pontapear o magoado, mas um dia, o dia será real. É deveras importante perceber a intensidade dos silêncios oferecidos aos menores, aos socialmente inferiores. Isso é matéria de um passado distante. Amanhã vou dizer bom dia e obrigado ao meu semelhante, aliás, vou até cumprimentar as pedras da calçada.

Rui Sobral