SAUDADE | Ercília Pollice

Saudade que ainda espera não é saudade é lembrança,
saudade só é saudade, quando não tem esperança.

Ercília Pollice

Já cantou Caetano que de repente”No silêncio da noite,
Me pego pensando em nós dois…
Pensando nas palavras que falamos e nas que deixamos pra depois.” ..

Valentina hoje me acordou pela madrugada, e queria me contar coisas e contar e contar.
Não tive escolha, deixei que Valentina usasse os meus ouvidos, e parte de meu sono.

A paixão é uma coisa engraçada. Ela vem sorrateira, de mansinho e quando você se dá conta ela o açambarca, corpo e alma e a brincadeira cheia de suspiros, vira um laço , vira amor: vira – virou.
Não há jeito que dê jeito, quando a brincadeira entra pelo caminho do amor.
Valentina, que sempre se apaixonou por amores nem sempre possíveis, desta vez não teve culpa.

Ela confessou – me, mais de uma vez, que não ia se apaixonar de novo.´ Aprendi, disse- me um dia! Levo tudo na alegria, e a gente sabe que tudo termina mesmo.
O que importa é viver feliz, por um tempo, seja curto ou seja longo.”

O que faz belo e gostoso o amor, é sabermos saboreá-lo devagar , sentindo o gosto, o aroma, e tudo o que a memória traz de volta desde o primeiro gole.Sim, porque agora descobriram que a visão em poucos segundos, vira memória; então, vemos o mundo através da memória, consequentemente a vida é vivida na memória.

Que coisa, hein?
Sorri , quando ela me disse isso e sorrio hoje, nesta madrugada meio fria.
Parece que o coração de Valentina enlouqueceu como o mundo, virou de pernas pro ar…vamos começar neste hemisfério o horário de verão, mas estamos vivendo um outono de hemisfério norte.

“”Sinto-me em Paris, me disse hoje, sorrindo, Valentina.”
Este danado desse tempo, traz de volta à Valentina tudo o que a memóra aprisionou no tempo- noites enluaradas que viveu em Paris. Também de volta as folhas nacaradas , avermelhadas, amarelas de Boston, traz de volta a estação que ela ama ,e, vai soltando devagarinho num tempo sem tempo…a fazenda com os bicos –de – papagaio, emoldurando a estrada, antes das grevilhas prateadas, os flamboyents do bosque serpenteando entre a cerca que descia para a represa…
Pensamentos atemporais!

Valentina está enamorada.O moço é especial! O moço é lindo. Ela achou que ia dar conta, ela pensou que iria tirar de letra. Enganou –se! Quem , por acaso algum dia, deu ordens a um coração?

Já fez poemas, já fez canções, já escreveu textos, achou que eram parte da história, mas não se apercebeu que a história chega uma hora, toma seu próprio rumo , tem seu próprio enredo, e não há quem segure as emoções
Agora, estão ambos, inteiramente tomados por esse sentimento intenso, que acelera o coração, e se segura em seus pensamentos tal um tigre enjaulado ,e, não sabem o que fazer dele.
-Valentina- disse o moço, cheio de emoção- o que vamos fazer com este sentimento?
-Não sei, meu amor, não sei…quer parar de me ver?
“Bem que eu gostaria, mas não consigo. ‘Te adoro, te quero, te desejo. Não tiro você de meus pensamentos.’

Por que temos de saber o que fazer?, retrucou Valentina.Não podemos apenas viver este amor intensamente?
Um dia termina e teremos nossa história de amor, linda, intensa, apaixonada, densa, amor imenso, amor sem senso. Nosso aconchego, nosso segredo , nosso enredo, nosso carinho.
Nada é eterno, meu amor.
Mas, o moço, está dividido, não é tão simples assim.Ele é todo “engenheiro”, gosta das equações terminadas e saber que no fim haverá um X a ser achado.Eis a não questão! Não há teorema ou teoria ou equação,ou regras que acertem as respostas vindas das equações do coração.
Cartesiano, que sempre foi, acabou enredado pela paixão, pela emoção , pela inteireza e intensidade sem egoísmo de uma mulher madura, que dá muito e exige pouco, Talvez, por isso mesmo, essa displicência apaixonada, com que Valentina trata o amor, o tenha feito ser pego. Tudo era tão “light”,sem cobrança, sem hora, sem dia…simplesmente acontecia!

E assim, numa idade em que brinca com os netos, e adora, Valentina se vê novamente envolvida corpo e alma.
Coração completamente vulnerável , esperando um moço, que a faz sonhar, a faz sentir bela, desejada. amada e amante! E, se sente feliz!

Trocam juras de amor, como namorados de antigamente, falam palavras repetitivas que fora do amor seriam uma chatice, mas que na hora do amor se tornam belas.

Eu, ouvindo, ouvindo, comecei a me lembrar que ela quis se enganar, desde o início.
Quando encontrou o moço lindo, jovem e interessante pela primeira vez, já estava enamorada dele. Mas não atinou , nem deu importância às batidas disparadas do seu coração de poeta sonhadora, que insiste em não parar de amar.
Lembro-me, ainda , quando me mandou um poema que fez numa cafeteria ,sentada sozinha, num outono europeu:

“Saio a esmo por aí,
Seu fantasma me acompanha,
Vejo flashes de você na multidão da praça.
Vejo você na rua nua
Vejo você na mesa crua de uma cafeteria qualquer,
Vejo você nos braços de outra mulher…
Vejo você na solidão da minha cama
Sinto seu beijo,suas mãos ,
Ouço sua voz a dizer que me ama.
Como pode estar aqui ,
Quem nunca aqui habitou?
É como diz Neruda;
“Saudade é quando o amor partiu,
Foi embora, mas o amor ficou”.

Mandou por e-mail,da Suiça , para o moço .
Claro, ele amou. Contudo, ainda continuaram levando bem leve um romance gostoso. Um affair tipo ‘ Belle de jour”, a la Deneuve, bem aos moldes de Buñuel
Mas, não sei bem o porquê, tudo mudou. Uma reviravolta, uma virada, e, de repente, sentiram –se unidos, tão unidos,tão próximos tão sedentos um do outro.
Isso, certamente assustou o moço seguro, carreira brilhante, vida formatadinha.
Ela sabe que eles não têm futuro, só presente.
Mas, quem tem?digo a ela , tão triste nesta noite meio fria, e nublada.Céu sem estrelas, no coração e no escuro da noite.
Não sabemos nada sobre o amanhã. Nosso hoje é agora.
Com ela, não poderá casar-se, nem ter filhos, nem nada desses compromissos que se assumem quando encontramos quem nos faz feliz a alma e leve o coração.
Tem idade pra ser sua mãe, a nossa Valentina, mas quando estão juntos, nenhum deles lembra disso.
Como disse um dia lá atrás, na horizontal temos a mesma idade.
Ele diz a ela que ela traz tantas mulheres interessantes dentro dela, fundidas numa mulher só e muito especial.
Ele a acha linda e diz sempre:Você é linda, Valentina, e ponto!
Já estão neste emaranhado de emoções boas há uns 7 anos mais ou menos.
A proximidade cada vez mais amiúde trouxe o sentimento de querer mais e mais e mais…
Sentem saudades um do outro. Ela sempre foi mais comedida com as palavras, mas ele sempre lhe dizia: “Te adoro! Te quero! Meu coração é seu . meu amor, meu grande amor!”
Ultimamente ela extravasou todos os sentimentos e também passou a chamá-lo: meu amor, meu querido, e não apenas de lindinho, como sempre fez.
Talvez sua intensidade , sua densidade nas palavras, nos atos, o amedrontaram.
Seja como for. Não se arrepende.
No amor é assim; é tudo ou nada. É não ou sim.
Queria vê-lo mais, tê-lo mais, mudar com ele pra Provence, para um cantinho qualquer que fosse só deles.
Mas, não dá. A vida não é assim.Não negocia. Ela vai tecendo teias à nossa volta e vai nos amordaçando em compromissos, em serviços, em promessas, às quais nunca tivemos intenção de fazer. Somos enjaulados pelo viver.
Tempo nosso mesmo, só aquele que cabe em nosso pensamento, aquele que trazemos em nosso coração, aquele no qual ninguém manda ou tem poder.
No tempo do meu sonho, mando eu.
No tempo de seu sonho, manda você, minha doce, sonhadora e forte Valentina.
Como você disse na canção que escreveu;
“sem amor nada tem sabor”.
Prossiga, basta a cada dia o seu mal, minha querida!
Mas, por favor, agora , deixe-me dormir, logo o dia vai amanhecer , e já as palavras ditas hoje, serão passado, pra variar!
Contudo, não é você quem sempre diz que coração machucado, cicatriza, mas coração vazio não há quem dê jeito?
Então…