Grande Guerra: o Corpo Expedicionário Português | Manuela Degerine

I/II

Houve 38.012 portugueses mortos, feridos, desaparecidos, incapacitados ou feitos prisioneiros na Grande Guerra e, muito para além deste número, quantas vidas, quantas famílias estilhaçadas… Portugal enviou tropas para Angola e Moçambique, o que facilmente podemos compreender, mais difícil de justificar é o envio de 55.164 homens para a Frente Ocidental – onde 2.086 foram mortos, 7.234 ficaram prisioneiros ou desapareceram e 5.354 sofreram ferimentos incapacitantes. O total de baixas foi de 14.674 homens, isto é, 26,6 % do total de efetivos .
Não sendo especialista da Grande Guerra, exponho aqui as conclusões de leituras que tenho feito. Eis – por ora – o meu ponto de vista…
1. A partir de janeiro de 1917 o governo português envia cerca de 55.000 combatentes para a Frente Ocidental, mas sem lhes garantir as condições mínimas de dignidade e humanidade asseguradas aos outros soldados europeus, não prevendo, por exemplo, uma verdadeira alternância na frente de combate. Por conseguinte os portugueses não foram – ao contrário dos alemães, franceses, ingleses, americanos – rendidos nas primeiras linhas… Durante oito meses! Cito o capitão Menezes Ferreira: “Oito meses de seguida pelos drenos gelados, pelas crateras e minas infectas destes enlameados terrenos das margens do Lys; oito meses de contínuas patrulhas na “Terra de Ninguém” suportando os “raids” inimigos, ataques de gazes, o enervamento diário das metralhadoras e morteiros” ; “perdidas todas as esperanças de ser rendido, não tendo outro remédio senão acamaradar com os ratos das trincheiras” . Evidentemente não acamaradam com os soldados ingleses; na sua profunda miséria, na sua condição degradada, os portugueses só podem “acamaradar com os ratos”.
2. O CEP (Corpo Expedicionário Português) não teve verdadeira instrução militar antes de partir porém, quando chegou a França, foi treinado pelo exército inglês.
3. Os soldados não levaram fardamento adequado ao clima e à guerra. Enquanto os oficiais, embora acomodados na retaguarda e num conforto incomparável com a vida nas primeiras linhas, podiam comprar equipamentos do exército inglês, como o capitão Menezes Ferreira refere, “adquirindo os bons impermeáveis, os sobretudos forrados de pele, os enormes butes de trincheira, luvas, cinturões” (Erich Maria Remarque também narra em “A oeste nada de novo” a vigilância de Müller para herdar as botas inglesas de um camarada que está a morrer: as alemãs são rijas e provocam bolhas. ), os soldados – ao ar livre dia e noite atrás dos “parapeitos” – tentavam sobreviver aos meses de chuva e às temperaturas negativas com o que lhes fora distribuído. Continuo a citar Menezes Ferreira: “enrolados nas suas mantas de maltezes” ; “as sentinelas, embuçadas nos seus “pelicos” alentejanos ou enroladas num lençol impermeável em guisa de “water-proof” . Por isso Menezes Ferreira insiste na tortura do frio: “soldados friorentos” ; “homens transidos de frio” Como se não bastasse: a cor das fardas era demasiado visível; o seu tamanho não correspondia à estatura média dos soldados; os pelicos também tornavam os portugueses ridículos perante ingleses e alemães (que lhes berrravam “Mé-mé”); e as botas deixavam passar a permanente humidade. Luís Alves de Fraga analisa as circunstâncias que obrigam os nossos soldados a roubar comida e roupa nos campos e casas abandonados. Conclui: “Pressente-se que eram a fome e o frio os maus conselheiros destes soldados” . O historiador sublinha que “as baixas por doenças de foro pulmonar foram de 804 militares, todas elas relacionáveis com as más condições de vida das tropas” .
4. O CEP foi disperso numa frente de combate demasiado vasta: 12 quilómetros.
5. Para além do que evidenciava quanto à “aliança” com a Grã-Bretanha, a subordinação do CEP ao 1° Exército Britânico não beneficiou os combatentes portugueses: pelo desprezo (e desconfiança) dos ingleses perante aquele Corpo exausto, desorganizado, desmoralizado, maltrapilho e mal preparado; pela incompreensão linguística; pelo regime alimentar: a “corned beef”, os “pickles” e a “compota de cascas de laranja” (amarga) são evocados com humor pelo capitão Menezes Ferreira em “João Ninguém – soldado na Grande Guerra”. No fim de contas os soldados não sentiam mais afinidades com os seus aliados do que com os seus inimigos; o que patenteava o absurdo de uma morte iminente. Morrer por que Pátria? A inglesa?… E os oficiais portugueses toleravam mal a subordinação aos ingleses.
Parte disto foi assinalado nos relatórios dos comandantes, contudo o governo não tomou as medidas necessárias; não havia meios humanos nem financeiros nem de transporte. Não seria contudo já assim quando Portugal entrara na guerra? Em contrapartida Afonso Costa e Bernardino Machado visitaram o Corpo Expedicionário Português de 8 a 25 de outubro de 1917, levaram abundante palavreado, as heróicas tradições, a glória dos bravos, o orgulho da Pátria… Mas os soldados foram mantidos na neve e nos bombardeamentos: sem roupa, sem descanso, sem auto-estima, sem alimentação adequada. Morreram pelos interesses (políticos) de quem os não respeitava.
(Continua)