Quero Dizer-Te… | Sónia Soares Coelho

Procuro-Te algures, …, no Espaço, certamente, como combinado…
Não estás…
Ou não Te vejo por cá…

De Ti, não sei nada de nada.
Logo, é de mim que Te falo.
Só assim poderia ser e assim é.

Quero dizer-Te tanto que vou dizer muito pouco: é sempre assim!
E digo-o escrevendo, visto que alternativa não resta.

Quero dizer-Te que gosto de Ti,
Que o sinto do fundo do meu ser, por isso sei que é verdade: é o que é!

Quero dizer-Te, também, que aprendi a gostar de mortais;
De seres desidealizados que se consubstanciam em carne, em sabor, em vida, em características tão estupidamente humanas como a necessidade de descanso e de trabalho.

Quero dizer-Te que me intriga Aquele que afirma que se pré-ocupa pouco Consigo e com as Suas relações pessoais e, ao invés, se consome com a segurança laboral e quejandos;
Que Esse Ser me pré-ocupa pela aparente displicência pessoal, não fora eu crer que a mesma apenas mascara uma arreigada convicção, já antiga, de resto, de que do mal dos outros podemos sempre cuidar muito melhor … bem mais fácil e habilmente do que das nossas próprias entranhas!

Quero dizer-Te que penso dar um nome ao Pirilampo e vesti-lo com uma saudosista farda, consumada por umas calças justas e um blusão de cabedal “estilo aviador” (passo o pleonasmo) e uns óculos enormes, protectores dos pruridos que se encontram quando se cortam os ares.
É que, se o Tipo está sempre e nunca está; só se mostra quando se esconde; fascina pela luz que imana, mas magnetiza pela escuridão em que se envolve, arrastando o Outro; voa de diferente para igual e povoa os corações ao permitir o pedido de desejos quando surge … pois é digno de nota … e de reflexão … mas não para agora … que um dia conto-Te sobre o Pirilampo.
Sabes, é que o facto da consubstanciação da presença se efectuar, sempre e tão só, na ausência, tornando internamente constante o objecto de amor, é temática que não se trata em mil parágrafos, quanto mais num.

Quero dizer-Te que os “meus mortos” me povoam, é certo, nas estantes e enquanto imagos internos.
Mas são mortos-vivos, falta-lhes anima; não me chegam e não me afagam.

Quero dizer-Te que eu sou muito paixão, lume, fogueira…
E água, muita!, imensíssimo oceano a condimentar (preferencialmente, o Índico, mais que o Pacífico…).

Quero dizer-Te que defendo alguns ideais, sobretudo os pessoais (os grupos são, por definição, estúpidos), mas abomino a idealização.
Sabes, os sacanas dos deuses têm sempre pés de barro… e caruncho… e fedem… e só o maravilhoso simbolismo dos mitos os salva!

Quero dizer-Te que não me assustam os “repentes”, os coup de foudre, até lhes acho uma certa graça,
Mas são enunciados falsos, efémeros; quando nutrem são bacocos e conducentes a indigestão ou congestão: valem o que valem, portanto.

Quero dizer-Te que me vou habituando a que o Homem me fuja, ou melhor, que de mim fuja,
No sentido em que não o provoco, limito-me a Ser, nada mais…

Quero dizer-Te que o Marinheiro que procura um porto seguro se contenta porque O sente, em mim,
Sendo que O lamenta, porque O desconfia, nele próprio.

Quero dizer-Te que, como em todas as histórias, elaborado que está este Último, surge um Outro: o Homem dos Ares.
Que me demando acerca do que procura, em mim, Aquele que opta por um outro dos Elementos, bem mais gasoso, dado que o que o que encontra em mim, …, bem, isso estará sempre à mercê de mais do que Um…
Contudo, será que a busca e o resultado não tendem a ser, irremediavelmente, mais do mesmo, i.e, um Aviador transvestido de Marinheiro, ou vice-versa? Que tudo não desemboca num gemido perante o que depara, porque a solidez do colo que sente – se e quando tem o engenho e a arte de o descobrir! – não se coaduna com o etéreo onde mergulha, constantemente?

Quero-te dizer-Te que gozo (no verdadeiro sentido da palavra, em português, não só em inglês) com Aquele que (quase) nunca nomeia um Outro Alguém, mesmo e especialmente quando a proximidade aumenta.
Dar nome é conferir identidade, é valorizar o Outro, é atrever a adonar-se dele!
Soberba ousadia, vês?
“Eu Te baptizo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”
Ena! Abissal! Mesmo … De abismo!

Quero dizer-Te que, quanto ao que tenho estado para aqui a discorrer, pouco ou nada posso fazer;
Sou o que sou, tenho-me dado algum trabalhinho, neste equilíbrio dinâmico que me torna consistente, coerente e séria.
Tão, tão séria, que chega a dar vontade de rir … de gozar, meu querido.

Quero dizer-Te que contigo há um certo amorar, na profunda etimologia da coisa, um misto essencial entre o ocultar e o pirar;
E (não) tem que ser assim, a não ser que não queiras, ou não consigas, que seja de um outro modo qualquer.
Tem, ou não tem?

Quero dizer-Te que adoro poesia, preencho-me (parcialmente) escrevendo e lendo,
Mas opto sempre pelo face – a – face, … , entre muitos outros acontecimentos que podem, ou não surgir, de permeio, ou entre outro meio qualquer.

Quero dizer-Te que tolero bem a dúvida,
São as certezas que me inquietam.

Quero dizer-Te que também aguento o desamparo, em mim e no Outro,
Mas o evitamento pelo medo e, sobretudo, pelo vazio afectivo, ainda que atípico e racionalizado por milhentos argumentos (in)falíveis, não me serve, …, morreu em mim há tempo… e este falecimento dificulta-me, enormemente, a Vida.

Quero dizer-Te que os meus medos se contam pelos dedos duma mão, por isso são intensíssimos.
Sendo que, nem no do meio, nem no mindinho, nem no anelar, nem no “fura bolos”, nem no “mata piolhos”, está o medo de não ser gostada, amorosamente, por um alguém. Tristeza, sim, pode haver, medo jamais!

Quero dizer-Te que, seja como seja, estou aqui para Ti, e – é a vida! -,
Exijo sempre reciprocidade, não fora eu, reitero-Te, desacreditar completamente no altruísmo.

Quero dizer-Te, assumidamente, que quando gosto sou interesseira, genuína e profundamente interesseira;
Tenho mesmo um interesse imenso em receber, para além de dar, …, seja que tipo de amor for … sendo que dizem que a amizade é um amor que nunca morre…
É?

Quero dizer-Te que tendo a compreender tudo, desde que se me expliquem…
Ao invés de definhar, o mistério adensa-se com a explicação, e com a procura de novas respostas, a novas incógnitas, …, e por aí adiante.

Quero dizer-Te que a dependência só é útil enquanto faz crescer, pelo que me irrita a viscosidade do “melado-colado”.
Mas, obviamente, dispenso a inutilidade masoquista e absoluta do desprezo sádico.

Quero dizer-Te que não confundo planos, nem dimensões (ainda que por vezes possa andar meia aturdida, ambivalente, …) e que conto Contigo para que tal continue a suceder.
Pelo que, sobre isto dos afectos não meramente amistosos, esta é a primeira e última mensagem que te faço chegar – notoriamente e sem o romantismo da garrafa ou do sussurro – a não ser que sintas que a relação merece algo mais.

Quero dizer-Te que, se assim for, me tens (quase) toda;
Se for de outro modo qualquer, explica – te – me, que talvez seja capaz de entender.

Está dito!

Quero-te, ainda, dizer-Te que, em rigor, não faço a mais pequena ideia do que Te estive a escrever: Voilá!
Tudo (in)validado, certo?
Apeteceu-me … é, …, por (raras) vezes dão-me destes apetites…

Mesmo sem o Espaço, temos sempre a Ria, não é?
Ah! E o Mondego, que aos meus pés habita e onde me vou deitar, logo, logo, lembrando o negrume intenso das pastas e a garridice das fitas laranja forte e vibrante!
Mas, agora, meu Querido, querendo, procura-me Tu por lá…

SSC

Retirado do Facebook | Mural de Sónia Soares Coelho